Paraíba Masculina, Sim Sinhô: Notas sobre o processo eleitoral de 2022

October 27, 2022

Kelly Cristina Costa Soares e Rafaela Rocha Arnaud

 

Eleições são ferramentas importantes para a democracia e são consideradas um critério mínimo para identificação do regime democrático, segundo Adam Przeworski. Tendo em vista a necessidade de analisar como os seus resultados vêm sendo desenhados no cenário subnacional, busca-se pontuar alguns aspectos do processo eleitoral de 2022 no estado da Paraíba.

 

Na Paraíba, o comparecimento às urnas atingiu a marca de 83,7% do eleitorado, registrando uma taxa de abstenção de 17,3%, inferior ao número da abstenção registrado no país de 20,9%. A disputa para o Executivo estadual esteve marcada pela dispersão de votos, razão pela qual não possibilitou seu desfecho no primeiro turno. Além do incumbente que pleiteava reeleição, mais três candidatos desafiantes protagonizaram a disputa com claros e obscuros alinhamentos às candidaturas presidenciais. 

 

No que tange à questão de gênero, a disputa ao cargo de governador da Paraíba deixa claro a predominância masculina na esfera política do estado. Apesar do eleitorado paraibano ter representação de 53% do sexo feminino, a participação das mulheres na competição pelos cargos eletivos é imensamente tímida. Das 8 candidaturas ao Executivo estadual, somente 1 mulher, candidata pelo PSOL, participou do processo eleitoral de 2022.

 

A disputa ao governo do estado da Paraíba no primeiro turno destacou-se por apresentar o governador João Azevedo (PSB) e Veneziano (MDB) alinhados à candidatura presidencial do ex-presidente Lula (PT), impossibilitando a composição Lula-Alckmin no mesmo palanque no estado. O candidato Pedro Cunha Lima (PSDB), embora contasse com o PDT na sua coligação do primeiro turno, não fez uma campanha que pudesse alinhar com clareza às candidaturas de Ciro Gomes e Simone Tebet (MDB), uma vez que o PSDB ao lado do Cidadania estava compondo a coligação de Tebet. Já o candidato Nilvan Ferreira (PL) apresentou sua plataforma eleitoral alinhada à candidatura de Jair Bolsonaro.  

 

No desfecho do primeiro turno, a maior confluência de votos segue a direção do candidato do PSB, seguida pelos candidatos do PSDB, PL e MDB, conforme demonstra a tabela abaixo.

 

Tabela 1 – Votos válidos para governador na Paraíba em 2022 (1º turno)

Fonte: elaboração própria a partir dos dados do TSE (2022).

 

Os resultados do primeiro turno da disputa ao governo do estado da Paraíba, ao destacar a liderança do governador João Azevedo (PSB), manteve a lógica subnacional distanciada do cenário nacional. Partidos como PP e Republicanos que, nacionalmente, aparecem vinculados à candidatura de Jair Bolsonaro, na Paraíba estão na coligação que fortalece a candidatura à reeleição do governador.

 

Por outro lado, mesmo o partido de Veneziano (MDB) tendo apresentado a candidatura da senadora Simone Tebet à presidência, foi apoiado oficialmente por Lula. No primeiro turno, Veneziano chegou em quarto lugar na disputa para governador e anunciou seu apoio ao segundo colocado Pedro Cunha Lima (PSDB), candidato que até então representava o grupo do campo opositor na polarização histórica com o PT. Esse arranjo de composição de forças para disputa do segundo turno na Paraíba revela como os interesses na esfera subnacional podem contrariar as expectativas de candidaturas nacionais.

 

Ao término do primeiro turno, a aposta imediata era que o apoio de Lula pudesse levar Veneziano a declarar apoio à reeleição do governador João Azevedo. Assim, o palanque Lula-Alckmin estaria garantido para assegurar a vitória do candidato do PSB, bem como para ampliar a votação sobre Bolsonaro. Todavia, essas expectativas foram frustradas quando Veneziano (MDB) declarou apoio à candidatura de Pedro Cunha Lima (PSDB), contrariando as projeções do PSB de consolidar com folga a liderança do governador João Azevedo (PSB).

 

A candidata Adjany Simplicio (PSOL), única mulher a participar na competição para o cargo do poder executivo estadual, ofereceu apoio a João Azevedo, deixando claro, porém, que seria um apoio relativo e com críticas, no intuito de apenas reunir as forças políticas do estado para a concertação que ampliaria a diferença da votação de Lula sobre Bolsonaro, na disputa presidencial do segundo turno.

 

Nilvan Ferreira (PL), por sua vez, o terceiro candidato mais bem votado no primeiro turno, manteve-se neutro, não demonstrando apoio aos dois candidatos que concorrem no segundo turno ao governo paraibano. Não obstante, pesquisas do segundo turno têm apontado crescimento expressivo do candidato Pedro Cunha Lima (PSDB) que, certamente, poderá contar com a absorção dos votos do candidato do PL.

 

Ainda no primeiro turno, Pedro Cunha Lima esteve ao lado de Jair Bolsonaro (PL), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) quando das visitas desses candidatos à Paraíba, mas preferiu a estratégia de manter a neutralidade em relação à corrida presidencial nos dois turnos para governador do estado. Tal posição encontra-se justificada mediante o apoio que recebeu do candidato Veneziano (apoiado por Lula no primeiro turno), bem como, por reconhecer a ampla vantagem eleitoral do ex-presidente do PT no estado, que teve votação expressiva de 64% dos votos válidos no primeiro turno, enquanto Bolsonaro recebeu aproximadamente 30%, o que equivale a menos da metade daquela votação.

 

As eleições de 2022, encarnadas pela composição nacional PT-PSB com a chapa Lula-Alckmin, trouxeram algumas dificuldades de articulação desses dois partidos nas realidades subnacionais, principalmente nos estados do Nordeste. Na Paraíba, o rompimento do ex-governador Ricardo Coutinho com o governador João Azevedo dificultou a exposição e o alinhamento à aliança Lula-Alckmin no primeiro turno. O ex-governador, hoje filiado ao PT, exerceu função importante de costurar a aliança PT / PV / PC do B e MDB para firmar a candidatura de Veneziano com apoio de Lula.

 

Um caso semelhante ocorreu em Pernambuco, onde o PT dificultou a viabilidade da candidatura de Marília Arraes ao governo do estado em detrimento da aliança com o PSB do governador Paulo Câmara que apresentou a candidatura de Danilo Cabral como representante da aliança Lula-Alckmin.

 

A articulação de apoios aos candidatos para o Executivo estadual no cenário eleitoral paraibano deixam incerteza quanto ao resultado no segundo turno, embora as últimas pesquisas eleitorais tenham demonstrado a vitória de João Azevedo com pequena vantagem de 5% dos votos válidos. O apoio do candidato do MDB poderia vir a somar com os votos já recebidos por Pedro Cunha Lima (PSDB) no primeiro turno, no entanto, o candidato Veneziano (MDB) esteve em coligação com o PT no primeiro turno, abrindo-se precedente para o alinhamento Lula-Alckmin com a migração de seus votos para João Azevedo no segundo turno, o que beneficiaria sobremaneira o candidato do PSB.

 

Em relação aos resultados para ocupar cadeiras no poder legislativo, quanto à composição da Assembleia Legislativa e da Câmara dos Deputados, pode-se observar que é notória a força dos partidos à direita do espectro ideológico, observando a série histórica de 2010-2022 no gráfico a seguir, embora os resultados eleitorais para ocupação dos assentos da Assembleia Legislativa da Paraíba no pleito de 2018 demonstrem equilíbrio entre o campo do centro com 47% e da direita com 50%.

 

     Gráfico 1 – Espectros ideológicos dos deputados eleitos na Paraíba (2010-2022)

Fonte: elaboração própria a partir dos dados do TSE (2022) e Bolognesi, Codato e Ribeiro (2021)

 

Os resultados eleitorais de 2022 da bancada da Paraíba tanto para Assembleia Legislativa quanto para a Câmara dos Deputados garantiram ampla base de direita: 64% dos deputados estaduais e 83% dos deputados federais eleitos estão classificados nesse espectro ideológico. Entende-se que a predominância de votos destinados aos candidatos de partidos da base do presidente Bolsonaro foi impulsionada pelo apoio dos chefes do poder executivo municipal, isto é, em muitos municípios paraibanos, prefeitos alinhados à candidatura do governador João Azevedo (PSB) e do ex-presidente Lula estiveram empenhados para garantir o sucesso eleitoral de candidatos a deputados de partidos como PL e PP da base do governo federal.

 

Nesse aspecto, as lideranças políticas dos municípios paraibanos tiveram diferentes incentivos para manter a distinção de apoios na esfera estadual e federal. Por um lado, fazer parte da base de apoio do governador garantiria recompensas como a alocação de recursos do orçamento estadual; por outro lado, a relação com parlamentares da base do governo federal geraria expectativa de alcançar os recursos das emendas parlamentares que no governo Bolsonaro vem sendo priorizados aos partidos governistas através das denominadas “emendas do relator”.

 

Além dos aspectos de alianças eleitorais e agrupamento ideológico, o debate sobre representação e gênero assume destaque na esfera política. Nas eleições para os cargos legislativos da Paraíba, o título da música “Paraíba masculina”, escrita por Luiz Gonzaga, ganha nova conotação, tendo em vista que durante a série temporal de 2010 a 2020, as mulheres não atingiram sequer 20% da representação nos cargos para deputado federal ou estadual, conforme demonstra o gráfico 2. Além do Legislativo estadual, destaca-se a presença de apenas 1 mulher como candidata ao governo da Paraíba em 2022, a qual não foi competitiva na disputa eleitoral que se manteve fragmentada entre quatro candidatos homens no primeiro turno.

 

Gráfico 2 – Gênero nas eleições estaduais

Fonte: elaboração própria a partir dos dados do TSE (2022)

 

A presença maciça do gênero masculino nos espaços institucionais de representação evidencia a sub-representação feminina e uma política pública de cotas eleitorais pouco eficiente. A série temporal analisada perpassa pelas quatro eleições após a obrigatoriedade da cota eleitoral de gênero no Brasil, que foi aprovada através da Lei nº 12.034/2009 e passou a valer a partir das eleições de 2010, obrigando os partidos a preencherem um percentual mínimo de 30% de um dos gêneros nas listas de candidatos.

 

Os dados do gráfico 2, no entanto, demonstram uma sub-representação acentuada na Paraíba, haja vista que o eleitorado não elegeu nenhuma mulher para a Câmara dos Deputados em 2014 e 2022. Nos demais anos, em 2010 e 2018, apenas uma mulher foi eleita para representar a Paraíba no âmbito do Legislativo federal, configurando apenas 8% das 12 cadeiras disponíveis para o cargo de deputado federal. O número ínfimo de mulheres eleitas para o cargo supracitado e a oscilação entre nenhuma e apenas 1 mulher eleita ao longo dos anos demonstra a inefetividade da cota eleitoral e a estruturação masculina da política paraibana.

 

No que tange às eleições para a Assembleia Legislativa da Paraíba, a representação feminina demonstrou-se mais expressiva, embora ainda haja um número ínfimo de mulheres. Nas eleições de 2010 e 2022, a Assembleia computou o maior número de deputadas mulheres, somando-se 6 das 36 cadeiras disponíveis no estado, o que configura um percentual de apenas 16,6%. Já em 2014 e 2018, o percentual de deputadas estaduais manteve-se em 8,3% e 13,8%, respectivamente, resultando em um número de mulheres eleitas menos expressivo quando comparado aos demais anos.

 

Em termos gerais, o ano de 2014 foi o mais crítico para a representação feminina nos cargos legislativos, tendo em vista que nenhuma mulher foi eleita para a Câmara dos Deputados e apenas 3 mulheres se elegeram para a Assembleia Legislativa. Já a eleição de 2010 foi a mais otimista para as candidatas ao Legislativo, tendo 7 mulheres eleitas, sendo 1 para o âmbito federal e 6 para o âmbito estadual.

 

Tanto a eleição de 2022 para o Executivo estadual como a série temporal concernente ao Legislativo demonstram a participação dominante dos homens na política paraibana e a expressiva representação de partidos do agrupamento ideológico da direita nas disputas eleitorais. Além dessas outras questões, a fragmentação na eleição partidária para governador bem como as alianças realizadas no 1º e 2º turno são indicadores de uma disputa estadual pouco alinhada com as eleições presidenciais, tornando a discussão sobre a política paraibana bastante relevante para o debate sobre subsistemas partidários.

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Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFCG com experiência em estudos sobre Conflitos e Coalizões Políticas, atuando principalmente nos seguintes temas: Relação Executivo-Legislativo, Representação Política, Comportamento Parlamentar, Partidos Políticos, Participação e Democracia.
Kelly Cristina Costa Soares
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). Especialista em Segurança Pública. Graduada em Direito pela UFCG. Pesquisa nas áreas de gênero e representação, participação política e direitos humanos.
Rafaela Rocha Arnaud

Eleições de 2022: impacto das mudanças institucionais

October 13, 2022

Maria do Socorro Sousa Braga e Jefferson Ferreira do Nascimento

 

Qual é o formato e o perfil do sistema partidário que sai das eleições de 2022? Para responder essa pergunta direcionamos essa análise para verificar o impacto das mudanças implementadas pelas últimas reformas eleitorais (Lei 13.165/2015, a Emenda Constitucional 97/17, a Emenda Constitucional 111/21, a lei 13.877/2019 e as leis 14.208/21 e lei 14.211/21) no formato do sistema de partidos, e das cotas para mulheres e negros no perfil sociodemográfico do sistema de representação política brasileiro.

 

A primeira, que já vigorou nas eleições de 2016 e 2018, é a cláusula de desempenho dos candidatos e partidos. No que se refere às exigências para o candidato, pela nova regra ele precisa obter um número de votos igual ou maior que 10% do quociente eleitoral (que é a quantidade de votos válidos dividida pelo número de cadeiras em disputa em cada estado) para ser considerado eleito para o Legislativo nas três esferas de poder. Ao vetar que os candidatos com poucos votos sejam eleitos com a ajuda dos chamados “puxadores de votos” das legendas e, até então, da coligação, a expectativa é a de que essa medida deve ter reduzido a bancada partidária, ou até mesmo impedido que partidos consigam representação parlamentar. Já no que diz respeito aos partidos, a Emenda Constitucional 97/17 estipulou cláusula de desempenho progressiva até 2030 para que eles tenham acesso aos recursos do fundo partidário e ao tempo gratuito para a propaganda no rádio e na TV. Esses recursos são fundamentais para a sobrevivência dos partidos, pois o fundo partidário viabiliza a manutenção das atividades partidárias e o tempo de propaganda garante um mínimo de visibilidade pública. Nesse caso, a tendência será de redução paulatina do número de partidos pequenos com acesso a esses incentivos. Isso porque, já nas eleições de 2018 para a Câmara dos Deputados, os partidos tiveram que alcançar 1,5% dos votos válidos distribuídos em pelo menos um terço das unidades da federação, com um mínimo de 1% dos votos válidos em cada uma delas; ou elegido pelo menos nove deputados federais distribuídos em um terço das unidades da federação. Nessas eleições de 2022 tiveram que obter 2% dos votos válidos também distribuídos em pelo menos um terço dos estados, com um mínimo de 1% dos votos válidos em cada um deles; ou terem elegido pelo menos onze deputados federais em um terço das unidades da federação. Por fim, os partidos que sobreviverem até as eleições de 2026 terão esses direitos se lograrem nas eleições um mínimo de 2,5% dos votos válidos distribuídos em um terço dos estados, com um mínimo de 1,5% dos votos válidos em cada um deles ou tiverem elegido 13 deputados distribuídos em pelos menos um terço dos estados.

 

Outra medida crucial que passou a vigorar nas eleições municipais de 2020 é a proibição das coligações eleitorais para disputar cargos legislativos. Mas em termos de eleições para os legislativos estaduais e nacional essa medida foi efetivada somente nestas eleições de 2022, após 36 anos de existência desse mecanismo estratégico para a coordenação política dos dirigentes partidários. Devido à dificuldade dos partidos pequenos de alcançarem o quociente eleitoral, por um lado, e pelas estratégias de coordenação da competição pelos vários cargos eletivos, por outro lado, esse dispositivo acabou favorecendo partidos de todos os tamanhos. Mas sem poder lançar mão desse expediente, os mais prejudicados serão os partidos pequenos e nanicos. Isso porque a maioria desses partidos somente conseguiu representação ao se coligarem entre si ou com partidos maiores, beneficiando-se do resultado coletivo alcançado pela cooperação entre eles, afinal a distribuição das cadeiras no Legislativo era feita levando em conta a votação dada a todos os candidatos e partidos que compunham a coligação. Mas, a partir deste ano, cada agremiação teve de disputar sozinha as cadeiras parlamentares, aumentando a dificuldade de atingir votação suficiente para eleger candidatos.

 

Por fim, ano passado foram aprovadas novas regras eleitorais. Primeira, tivemos a Emenda Constitucional 111/21 incluindo a regra que estipula o peso duplicado de votos para candidaturas femininas e negras. Segunda, tivemos a lei 14.208/21 que instituiu as federações partidárias. Terceira, é a lei 14.211/21 que altera a regra do cálculo das sobras[1]. Entre os objetivos dessa reforma estão: (1) aumentar a participação feminina e negra no Congresso Nacional, diminuindo a sub-representação das mulheres e das pessoas pretas e pardas; e (2) reduzir a fragmentação no Congresso, que pode ser mensurada pelo número de partidos efetivos (índice de Laakso-Taagepera)[2]. Vejamos em termos numéricos os resultados dessas mudanças na tabela 1.

 

Tabela 1: Impacto das novas regras eleitorais nas eleições de 2022

N/A = não se aplica

*Cláusula de Desempenho: 1,5% dos votos válidos e 9 deputados federais;

**Cláusula de Desempenho: 2% dos votos válidos e 11 deputados federais;

*** Foram 100 cadeiras conquistas sem coligações. Apenas o Novo não fez nenhuma coligação em nenhum estado e elegeu 8 deputados federais. Os demais fizeram coligação em algum ou alguns estados. As outras 92 vagas foram conquistadas por partidos em estados que não se coligaram.

Fonte: Elaboração dos autores com base em dados da Câmara dos Deputados (2022a[3]; 2022b[4]; 2022b) e TSE (2018; 2022)[5]

 

A primeira constatação é a de que, como previsto, o número de partidos do sistema partidário reduziu consideravelmente em 2022. Ou seja, paulatinamente observamos a redução da fragmentação partidária na Câmara dos Deputados, evidenciada pelos seguintes números (sempre considerando apenas os resultados eleitorais, sem as movimentações posteriores). O número de partidos representados na Câmara era de 30 em 2018 e 28 em 2014. Em 2018, o Índice Laakso-Taagepera era de 16,46 partidos efetivos, ampliando o número de atores relevantes na negociação Executivo-Legislativo, elevando os custos da governabilidade. Como parâmetro de comparação, em 2014 esse índice era de 13,49.

 

Em 2022, foram eleitos 23 partidos parlamentares. Assim, admitindo a coesão das federações partidárias, o índice de Laakso-Taagepera cai de 16,46 para 9,27 partidos efetivos. Caso o cálculo não considere a coesão das federações e contabilize por desempenho de partido individualmente, esse índice cai de 16,46 para 9,93 partidos efetivos. Portanto, a proibição das coligações, as elevadas exigências para composição de uma federação e a elevação da exigência para a participação no cálculo das sobras contribuíram para a redução na quantidade de partidos efetivos.

 

O outro dado relevante é o efeito da cláusula de desempenho. Em 2018, 14 partidos não atingiram a cláusula de desempenho (Rede, Patriota, PHS, DC, PCdoB, PCB, PCO, PMB, PMN, PPL, PRP, PRTB, PSTU e PTC). Desses 14, nove chegaram à Câmara elegendo juntos 32 deputados (PCdoB, PHS, Patriota, PRP, PMN, PTC, Rede, PPL e DC). O efeito da cláusula já pôde ser verificado pela fusão ou incorporação de cinco desses nove partidos com cadeiras: PHS se juntou ao Podemos (que havia superado a cláusula); o PCdoB incorporou o PPL e Patriota incorporou o PRP – esses quatro não atingiram a cláusula.

 

Neste ano, 15 partidos não conseguiram atingir a cláusula (DC, Novo, Patriota, PCB, PCO, PMB, PMN, PROS, PRTB, PSC, PSTU, PTC/Agir, PTB, Solidariedade e UP). Destes, seis partidos (PSC, Solidariedade, Patriota, PROS, Novo e PTB) conseguiram cadeiras na Câmara elegendo 21 deputados juntos. Esses partidos estarão na Câmara dos Deputados sem direito à liderança e recursos do fundo e os 21 deputados podem migrar para outro partido sem perder o mandato. Além desses, quatro partidos não conseguiram atingir a cláusula se competissem sozinhos, mas obtiveram em função de terem cooperado e formado uma federação: PCdoB, PV, Rede e Cidadania. Ou seja, nenhum dos partidos que ficaram abaixo da cláusula de desempenho em 2018 conseguiram ou conseguiriam reverter os quadros sozinhos (Rede, DC, PCB, PCO, PMB, PMN, PRTB, PSTU, PTC/Agir). Mesmo aqueles que se fundiram ou se uniram com outros partidos abaixo da cláusula não reverteram ou reverteriam o quadro sozinhos (como PCdoB e Patriota). É possível inferir, portanto, que a cláusula de desempenho tem funcionado desde 2018 para a redução do número de partidos efetivos na Câmara.

 

O impacto sobre a redução do número de partidos representados na Câmara dos Deputados pode ser verificado nos gráficos 1 e 2 abaixo.

* A quantidade de partidos representados e o número de partidos efetivos para 2022, para fins deste gráfico, não consideram a coesão das federações.

Fonte: Elaboração dos autores com base nos dados do TSE (2006; 2010; 2014; 2018; 2022)[6]

 

O exame do impacto das prerrogativas que visam a coesão das federações na redução do número de partidos efetivos no gráfico 2 revela que esse efeito é relativamente mais forte. Vejamos o gráfico 2:

Fontes: Elaboração dos autores com base nos dados do TSE (2006; 2010; 2014; 2018; 2022)[7]

      

Pelos gráficos 1 e 2, é possível verificar que, em um hipotético cenário de rompimento de todas as federações, o número de partidos representados se aproximaria ao início da Legislatura 2011-2015 (formada pelas eleições de 2010) com número de partidos efetivos menor, em função do tamanho das maiores bancadas. No cenário oposto em que todas as federações permaneçam, o número de partidos representados e efetivos serão menores que o início da Legislatura 2007-2011 (formada pelas eleições de 2006).

 

Além disso, é possível inferir que a cláusula está contribuindo para favorecer o crescimento das bancadas dos maiores partidos. Por exemplo, as sete maiores bancadas partidárias eleitas em 2022 somam 398 deputados (PL 99, PT 68, União Brasil 59, PP 47, MDB 42, PSD 42 e Republicanos 41), sem considerar federações. Em 2018, as sete maiores somavam 278 deputados (PT 56, PSL 52, PP 37, PSD 34, MDB 34, PR/PL 33 e PSB 32). Não faria sentido retomar os dados de eleições anteriores, pois a cláusula de desempenho passou a ser aplicada a partir dos resultados eleitorais de 2018 e afetou os partidos no ciclo para a eleição de 2022.

 

Sem os estímulos institucionais e financeiros à criação e funcionamento de partidos com nenhuma ou escassa representatividade social, a consequência mais imediata observada é a da redução do número de partidos. Esse processo de enxugamento do sistema partidário, iniciado após os resultados das eleições municipais de 2020, quando muitos partidos pequenos iniciaram negociações para incorporações e fusões, foi expandido com as migrações ocorridas durante o período da janela partidária, e fortalecido nas eleições de 2022. É importante notarmos outra consequência política observada nesse contexto de mudanças institucionais, notadamente o fortalecimento de um campo da direita conservadora comandado pelo atual presidente da república, Jair Bolsonaro. Seu partido em 2018, o PSL, elegeu 52 deputados federais; em 2014, sem Bolsonaro, o partido conquistou apenas 1 cadeira na Câmara. Outro crescimento evidente ocorreu no PL, que elegeu este ano 99 deputados federais com a liderança de Bolsonaro, e quatro anos antes tinha conquistado 33 cadeiras (ainda competindo como PR).

 

No que se refere ao perfil demográfico da Câmara dos Deputados que sai dessas eleições verificamos que houve pouco avanço na situação de sub-representação feminina (15% para 17,7%) e de negros (24% para 26,12%)[8]. Nos dois casos, o aumento da representação entre 2018 e 2022 foi menor que entre 2014 a 2018, a participação feminina aumentou de 10% para 15% e de negros passou de 19,9% para 24%. Esses resultados contrastam com o percentual de candidaturas para a Câmara: foram 3.429 (35%) candidaturas femininas e 4.675 (48%) autodeclarados pretos ou pardos dentre as 9.757 candidaturas aptas[9]. Há, portanto, uma distorção na taxa de sucesso dessas candidaturas se comparadas com as candidaturas masculinas e com candidatos autodeclarados brancos.

 

Diversas razões podem estar relacionadas ao fraco efeito da medida de ação afirmativa que visa mudar essa realidade da política brasileira. Entre as quais destacamos a distribuição desigual dos recursos públicos às campanhas de mulheres e negros pelos dirigentes partidários[10] e o atraso dos repasses, sobretudo, às candidaturas de mulheres negras[11] . Outra ocorrência que merece atenção é a mudança de autodeclaração, 42 deputados que se autodeclaravam brancos passaram a se autodeclarar pardos com a vigência da ação afirmativa, destes 20 foram reeleitos[12]. Desse modo, é relevante uma avaliação mais atenta para identificar se realmente ocorreu algum aumento na participação de pretos e pardos, em que pese o registro do tímido aumento de 123 para 134 eleitos. Por outro lado, a contagem dobrada para fins de distribuição de recursos aos partidos é dos votos recebidos por mulheres, pretos e pardos, sem condicionamento com a conquista da cadeira na Câmara. Portanto, esse objetivo pode ser atingido com o aumento de candidaturas de mulheres (passou de 32% em 2018 para 35% em 2022) e de pretos e pardos (passou de 41,7% para 48%) sem necessariamente que o partido precise turbinar essas candidaturas ao nível dos candidatos mais populares e com maior prestígio dentro da estrutura partidária.

 

À guisa da conclusão, cumpre registrar a efetividade das regras para redução da fragmentação partidária na Câmara dos Deputados já em 2022 e reiterar o baixo crescimento de mulheres, pretos e pardos entre os deputados federais eleitos. Ademais, é importante alertar para o fato de que as ações afirmativas dependem da adesão das lideranças partidárias para a correta distribuição de recursos em tempo hábil para reduzir a distorção na taxa de sucesso das candidaturas femininas e de pretos e pardos.

 

Notas

[1]Até 2018, os partidos que não tivessem atingido o Quociente Eleitoral não participavam da distribuição das sobras. A reforma eleitoral de 2017 autorizou os partidos que não atingiram o quociente eleitoral a participar da distribuição das sobras; porém, em 2021, ficou estabelecido que um partido participa do cálculo das sobras se atingir 80% quociente eleitoral e o candidato obtiver ao 20% do quociente eleitoral.
[2] O índice proposto por Laakso e Taagepera (1979) é calculado pela fórmula 1/(∑pe²). Sendo pe o percentual de cadeiras ocupadas por um partido. Ou seja, um dividido pelo somatório do quadrado das proporções das cadeiras obtidas por cada partido.
[3]Ver sobre eleições de mulheres em <https://www.camara.leg.br/noticias/911406-bancada-feminina-aumenta-18-e-tem-2-representantes-trans/>
[4] Ver sobre a eleição de negros em <https://www.camara.leg.br/noticias/911743-numero-de-deputados-negros-e-pardos-aumenta-894-mas-e-menor-que-o-esperado/>
[5]Ver dados sobre os resultados eleitorais em: <https://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-plebiscitos-e-referendos>
[6] Idem.
[7] Idem.
[8]Ver os números mulheres e pessoas pretas e pardas eleitas nas seguintes matérias: <https://www.camara.leg.br/noticias/911406-bancada-feminina-aumenta-18-e-tem-2-representantes-trans/> e <https://www.camara.leg.br/noticias/911743-numero-de-deputados-negros-e-pardos-aumenta-894-mas-e-menor-que-o-esperado/>
[9]Ver sobre a autodeclaração dos candidatos em <https://www.camara.leg.br/noticias/903111-registro-de-candidaturas-bate-recorde-e-mais-de-10-mil-disputam-vaga-de-deputado-federal/>.
[10] Ver sobre a distribuição de recurso desigual em <https://valor.globo.com/politica/eleicoes-2022/noticia/2022/09/17/eleicoes-repasses-a-mulheres-e-negros-estao-abaixo-da-cota-determinada-por-lei.ghtml>.
[11] Ver sobre o atraso de repasses aqui: <https://www.dw.com/pt-br/partidos-atrasam-repasses-a-mulheres-e-preterem-negras/a-63073422>
[12]Sobre mudança de autodeclaração, ver: < https://noticiapreta.com.br/candidatos-pardos-brancos-eleitos/>.

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É professora e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de São Carlos e do Núcleo dos Partidos Políticos Latino-Americanos (NEPPLA).
Maria do Socorro Sousa Braga
É Doutor em Ciência Política, professor no Instituto Federal de São Paulo (IFSP) – campus Sertãozinho, membro do Núcleo dos Partidos Políticos Latino-Americanos (NEPPLA).
Jefferson Nascimento

Um novo Senado após as eleições de 2022?

October 6, 2022

Bruno de Castro Rubiatti

 

Introdução

O Brasil adota um sistema bicameral na organização de seu Congresso Nacional, isto é, divide o Legislativo em duas câmaras: Câmara dos Deputados e Senado. Nesse arranjo, a Câmara dos Deputados seria o espaço da representação populacional, enquanto o Senado seria o espaço da representação igualitária dos entes subnacionais (estados). Na formulação desse desenho institucional, o bicameralismo tem traços que o caracteriza como forte: por um lado, os poderes legislativos e de controle da câmara alta são semelhantes ao da primeira câmara e, por outro, a forma de seleção dos membros de cada uma delas é distinta. Assim, o bicameralismo brasileiro é considerado forte pois conjuga simetria com incongruência.

 

No que tange à simetria, tanto a Câmara dos Deputados quanto o Senado possuem ampla capacidade de iniciativa, de revisar o que foi aprovado na outra casa e poder de veto sobre as matérias analisadas no Legislativo. Já à incongruência se nota na forma de eleição dos seus membros: mesmo que os distritos eleitorais para ambas as casas sejam os estados, a forma de eleição para o Senado é majoritária, enquanto para a Câmara dos Deputados é proporcional. Além disso, o mandato de um senador é de oito anos, enquanto o de um deputado é de quatro. Por fim, outra característica que impacta a incongruência desse sistema é a renovação parcial do corpo legislativo do Senado: enquanto a Câmara dos Deputados é renovada totalmente a cada quatro anos, o Senado é renovado em um terço e dois terços. Assim, não há coincidência temporal no que tange a formação dos corpos legislativos de cada câmara: mesmo que as eleições ocorram concomitantemente, sempre uma parcela do Senado foi formada em momento distinto. Por exemplo, enquanto a Câmara dos Deputados atual foi eleita totalmente em 2018 e encerra seu mandato no início do ano que vem, no Senado, um terço (27 Senadores) foi eleita em 2014, também encerrando seus mandatos no início do ano, e dois terços (54 Senadores) foram eleitos em 2018 e encerram seus mandatos apenas em 2027.

 

Essas características permitem que os grupos representados em cada casa não sejam coincidentes, uma vez que a forma de eleição e o momento de formação de cada corpo Legislativo não são os mesmos. Isso permitiria que o Legislativo brasileiro tivesse uma maior potencialidade de discussão sobre os projetos e dificultaria que maiorias circunstanciais dominassem ambas as câmaras ao mesmo tempo, fortalecendo o papel do bicameralismo no sistema de checks and balances do arranjo institucional brasileiro.

 

Apesar desse arranjo bicameral forte ser adotado em todo o período da Nova República, nos últimos anos tem se notado um aumento da atenção dada à Segunda Câmara, seja pela própria Ciência Política nacional, seja pelos meios de comunicação. A atuação do Senado na atividade legislativa tem ganhado destaque, mas muito dessa nova atenção dada ao Senado se deve a suas atividades de fiscalização e controle. Por exemplo, no governo Bolsonaro (PL), a CPI da pandemia e a atuação do presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado na questão da indicação do nome de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal (STF) foram duas das atividades de fiscalização e controle do Senado Federal que tiveram grande atenção da cobertura midiática nacional.

 

Dessa forma, devido a importância dessa casa no arranjo institucional brasileiro e a crescente visibilidade de suas ações, cabe aqui analisar os resultados das eleições de 2022 para essa casa legislativa. Para a realização dessa análise, esse texto se divide em outras duas seções. Na primeira, estabelecemos uma comparação dos resultados de 2014 com os atuais, afinal, os Senadores eleitos em 2022 substituirão os que conseguiram seus mandatos em 2014. Na sequência serão tratadas as transformações esperadas na composição do Senado após as eleições. Com isso, será possível ter uma noção do impacto que essa renovação de um terço dos membros teve na composição total do Senado.

 

2014 e 2022: alterações na distribuição partidária das vagas em disputa

Como dito anteriormente, nas eleições deste ano foi renovado um terço do Senado, isto é, um senador por estado e pelo Distrito Federal. Pelo mandato do senador ser de oito anos, as cadeiras em disputa para essa casa são as dos parlamentares eleitos em 2014. A tabela 1 mostra a distribuição partidária nessas duas eleições e nela já é possível notar uma diferença considerável no peso dos diferentes partidos em ambas as disputas.

 

Tabela 1 – Distribuição partidária dos 27 Senadores Eleitos: 2014 e 2022

 

Começando pelo PMDB/MDB, partido que desde a redemocratização forma a maior bancada no Senado, nota-se uma forte queda no seu número de Senadores eleitos: se em 2014 o partido elegeu cinco senadores, na atual eleição ele conseguiu apenas um. Complementarmente, não houve reeleição ou vitória do PMDB/MDB em nenhum estado onde ele tinha conquistado senador em 2014: na Paraíba e Tocantins as vagas que o PMDB venceu foram para o União Brasil, em Santa Catarina e Espírito Santo foram para o PL e no Mato Grosso do Sul foi para o PP.

 

O PSDB que em 2014 elegeu quatro senadores não conseguiu nenhuma cadeira nessas eleições. A mesma situação ocorre com o PDT. O PTB também perdeu suas duas cadeiras, sendo que uma delas foi a de Alagoas, que foi ocupada pelo ex-presidente Fernando Collor em 2014, mas que teve Renan Filho (MDB) como o vencedor nessas eleições.

 

Dentre os partidos que ganharam cadeiras comparado com a eleição de 2014 estão o União Brasil[1], PP, PT, que conseguiram duas vagas a mais, e o PSC que conseguiu uma cadeira em 2022, mas não conseguiu nenhuma em 2014.

 

Todavia, o grande vencedor foi o PL: se em 2014, ainda como PR, elegeu apenas um dos 27 senadores, em 2022 oito dos senadores eleitos são desse partido: Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Rio de janeiro, Rio Grande do Norte, Rondônia, Santa Catarina e São Paulo elegeram senadores do partido do atual presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro.

 

É importante destacar também que 12 dos 27 senadores eleitos em 2014 buscaram a reeleição em 2022 (44,4%) e desses, cinco obtiveram sucesso (41,7%). Cabe aqui destacar que esses números se referem apenas aos candidatos eleitos como titulares no senado em 2014, não sendo aqui computados os suplentes que ocupam cadeiras no Senado e buscaram reeleição.

 

Assim, observar essa variação de uma eleição para outra nos dá uma imagem de como as preferências partidárias mudaram nesse espaço de tempo entre as eleições, mas não nos permite analisar o impacto das eleições de 2022 na composição do Senado. Isso porque o Senado brasileiro possui uma característica marcante: a ocupação de cadeiras por suplentes. Ao se candidatarem, os Senadores se apresentam em chapas compostas pelo titular e dois suplentes e, no decorrer do mandato, muitos suplentes acabam por ocupar as vagas, seja por afastamento temporário do titular, seja pelo titular ter ocupado outro cargo nos Executivos Nacional ou Subnacional. Dessa forma, a composição do Senado pode acabar se afastando do resultado das urnas. Por exemplo, atualmente, das 27 vagas que terminam seus mandatos no início de 2023, sete estão ocupadas por suplentes.

 

Somado a isso, há também a questão das trocas partidárias, onde senadores eleitos mudam de partido no decorrer do seu mandato, o que também afasta a distribuição partidária real dos resultados das urnas. Um exemplo dessa situação é o do senador pelo Rio de Janeiro Romário, que foi eleito em 2014 pelo PSB e agora foi reeleito, mas pelo PL.

 

Sendo assim, os dados da tabela 1 nos permitem ver as diferenças existentes nos dois momentos eleitorais, mas não significam automaticamente que os ganhos ali apresentados se expressarão na composição do Senado, já que parte das cadeiras conquistadas em 2014 estão efetivamente ocupadas por outros parlamentares. Como exemplo dessa situação, podemos citar o caso do Senador Alexandre Silveira (PSD) de Minas Gerais que foi eleito em 2014 como suplente na chapa de Antonio Anastasia (eleito pelo PSDB, mas entrou no PSD em 2020) e que passou a ocupar a cadeira no Senado após a indicação do titular para o Tribunal de Contas da União. Alexandre Silveira, inclusive, foi candidato ao Senado nessas eleições, mas não chegou a ser eleito.

 

Uma nova composição do Senado após 2022

Devido a ocupação de vagas por suplentes e as trocas de partidos feitas pelos Senadores, optou-se por estabelecer uma comparação da composição total do Senado em três momentos. Primeiro, optou-se por ver a composição do Senado no início da atual legislatura, em 2019, nesse caso, os dados são do Relatório Anual da Presidência do Senado daquele ano. O segundo momento é o atual. Com ele busca-se observar a composição do Senado considerando já a ocupação de cadeiras por suplentes e as trocas partidárias ocorridas no decorrer da Legislatura. Esses dados foram coletados no próprio site do Senado a partir da seção de composição da casa. Por fim, para tratar do cenário após as eleições de 2022, substituímos os parlamentares que terão os mandatos finalizados agora no início de 2023 pelos atuais eleitos. Assim, será possível observar o impacto que o atual resultado eleitoral pode ter na composição do Senado.

 

Tabela 2 – Variações na composição do Senado: 2019, atual e após as eleições

*Para “Atual” foram considerados os Senadores em Exercício em 3/10/2022

**Para “Após-eleições 2022” foram considerados os atuais, retirados os que finalizam

o mandato em 2023, e acrescentados os eleitos em 2022

Fonte: Elaboração própria a partir de RAP 2019, TSE e site do Senado

 

Ao se observar as variações ocorridas durante a última Legislatura é possível ver que a entrada de suplentes e as trocas de partidos no decorrer da legislatura alteram a composição do Senado, mesmo que de forma não tão drástica quanto uma eleição. Partidos como PSDB, PDT, Cidadania, PSB e Rede já apresentavam uma queda em sua representação no decorrer da legislatura. Por outro lado, PL, Podemos e PT apresentam crescimento em sua representação, sendo que ela é significativa para o primeiro, que sai de 2,5% no início da Legislatura e salta para 8,6% no período atual.

 

Com as eleições essas mudanças são novamente reforçadas. Chama a atenção a queda na representação do PSDB, que após as eleições ficaria com uma participação ainda menor no Senado. Já o PT apresenta uma pequena melhora em sua representação. Mas o que mais chama a atenção na nova representação na câmara alta após a eleição é o fortalecimento de partidos de direita, acompanhado da queda de representação dos partidos de centro.

 

O MDB/PMDB que sempre possuiu a maior bancada no Senado perdeu esse posto para o PL, o grande vitorioso nestas eleições. Junto com o PL, o União Brasil também apresenta um crescimento considerável, tendo um aumento de bancada e revertendo a tendência de queda que o antigo DEM apresentava para o Senado. Dessa forma, o novo Senado que se forma tende a ter maior representação da direita e um centro mais enfraquecido, estando, então, mais propenso a aderir a pautas conservadoras vindas desse setor que se fortaleceu.

 

Cabe aqui uma advertência: o número de cadeiras aqui apontados para o pós-eleição se baseia nos atuais ocupantes e nos eleitos. Porém, não necessariamente esse quadro irá se firmar. Sempre há a possibilidade de alguns titulares retornarem aos seus postos no Senado, além de que cinco senadores em exercício estão disputando o segundo turno das eleições nos estados e, caso saiam vitoriosos, deixarão seus postos no Senado (todos eles têm mandato até 2027). Assim, o quadro aqui apresentado é uma aproximação do que pode ser o Senado a partir da posse dos novos eleitos, tendo em conta a atual composição da casa, mas ainda há certo grau de indefinição.

 

Todavia, após as eleições de 2022 fica claro que houve uma mudança na composição do plenário do Senado, onde os grandes vencedores foram os partidos de direita, sendo que parte desse crescimento se deu em cima dos partidos que compunham o centro. Assim, o Senado, que era caracterizado como uma casa legislativa com forte presença do centro, agora será uma casa onde há forte presença da direita, o que poderá impactar a relação com a outra Câmara e trazer novas questões para a relação com o governo que será eleito nesse Segundo Turno.

 

[1] Para 2014, estamos considerando os senadores eleitos pelo DEM, uma vez que o União Brasil foi formado a partir da fusão do DEM com o PSL

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Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política (PPGCP) e da Faculdade de Ciências Sociais (FACS) da UFPA. Coordenador do Grupo de Pesquisa “Instituições Políticas: processo Legislativo e Controle”. Doutor em Ciência Política pela Unicamp e pós-doutorando junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFMG.
Bruno de Castro Rubiatti