Rodrigo Dolandeli
Denis Conrado
Ao final das eleições municipais no estado do Pará, uma tendência já bastante anunciada se confirmou: a incontestável força política do governador emedebista Hélder Barbalho. Muitos fatores ajudam a entender como o governador se impôs politicamente no estado, desde uma ampla e heterogênea rede de alianças partidárias que garante um forte enraizamento nos municípios, por um lado; até a uma ligação direta com o governo federal, uma vez que seu irmão Jader Filho é o ministro das cidades, garantindo investimentos estatais.
O panorama das eleições municipais no Pará evidencia uma dominância marcante do MDB, que elegeu 85 prefeitos, conquistando 59% das 144 prefeituras do estado. Vale destacar que duas dessas eleições, nas cidades de Óbidos e Cachoeira do Arari, permanecem sob judice, ambas vencidas pelo MDB. Esse resultado coloca o partido em uma posição de clara liderança, especialmente se comparado ao segundo colocado, o PP, que elegeu apenas 16 prefeitos.
A presença do MDB nas prefeituras aumenta quando consideramos as coligações majoritárias, já que o partido esteve envolvido no apoio a outros oito prefeitos eleitos, somando 93 municípios onde exerce influência direta ou indireta. Esse cenário reflete não só o poderio político do MDB no Pará, mas também sua habilidade em estabelecer alianças estratégicas.
Em comparação com as eleições de 2020, o crescimento do MDB no Pará é notável. Naquela eleição, o partido conquistou 61 prefeituras, representando 42,4% das cidades paraenses. Agora, em 2024, sob o impulso do apoio de um governador popular, o MDB consolidou sua posição como o partido majoritário, governando mais da metade das prefeituras do estado. Esse salto de representatividade revela não apenas um avanço quantitativo, mas também um fortalecimento político significativo, posicionando o MDB como o principal articulador municipal no Pará.
A vitória do MDB em Belém representa o retorno do partido à capital paraense após quase quatro décadas. Desde 1985, quando Coutinho Jorge foi eleito, o MDB não governava a cidade. Com Igor Normando, ex-vereador e deputado estadual, o partido recupera a administração da capital em um momento crucial: a proximidade da COP-30, que trará atenção internacional voltada para Belém. Igor Normando, primo de Helder Barbalho, venceu no segundo turno com 56,4% dos votos válidos, garantindo ao MDB não apenas o controle da capital, mas também um papel estratégico no cenário político e ambiental do estado.
As eleições em Belém foram intensamente disputadas e refletiram as tensões políticas locais. O Delegado Éder Mauro (PL), candidato a prefeito, conhecido por seu negacionismo climático, chegou a liderar as pesquisas, em parte devido à baixa aprovação do prefeito Edmilson Rodrigues (PSOL), que, na tentativa de reeleição, não atingiu 10% dos votos válidos no primeiro turno. Curiosamente, apesar de sua postura pública em relação ao clima, Éder Mauro se autodenominava “o prefeito da COP”.
Entretanto, é importante destacar o desempenho pouco significativo do MDB em outras cidades, como em Ananindeua, a segunda maior cidade do estado e a quarta da região norte em número de habitantes. Nessa localidade, o governador sofreu uma derrota acachapante, com a reeleição do prefeito Dr. Daniel (PSB), que obteve 83,5% dos votos válidos.
Apesar do sucesso do MDB nas eleições municipais do Pará, as derrotas pontuais do governador Helder Barbalho sugerem brechas que poderiam ser aproveitadas pelos seus opositores. Uma perspectiva promissora para interpretar esse cenário é a pauta ambiental e a mudança climática, temas que o governador abraçou como bandeira política. Em áreas com altas taxas de desmatamento e uso intensivo da terra para agropecuária e mineração, os candidatos de direita, em especial os bolsonaristas, tiveram proeminência.
Esse contraste entre a posição ambientalista do governador e as preferências locais, em cidades estratégicas, pode ser um caminho para o surgimento de uma oposição organizada, possivelmente sustentada por líderes locais com alinhamento ideológico ao bolsonarismo.
O governador Helder Barbalho utiliza a questão ambiental como uma de suas principais bandeiras. Ele tem liderado discussões sobre a utilização da cadeia da sociobioeconomia no país e, no cenário mais recente, identifica o potencial das florestas para a geração de créditos de carbono como uma estratégia para impulsionar a economia do estado. O plano de bioeconomia do Pará, lançado em 2022, marcou um avanço no desenvolvimento sustentável da Amazônia, integrando conservação ambiental e desenvolvimento econômico. O governador Helder Barbalho anunciou a venda de 12 milhões de toneladas de créditos de carbono, a maior da história do estado, totalizando quase R$ 1 bilhão. Os recursos, provenientes da venda realizada durante a Semana do Clima em Nova York, serão utilizados para reduzir o desmatamento e apoiar comunidades locais, promovendo a ideia da “floresta em pé” em oposição a práticas extrativistas.
No entanto, a geração de receita com créditos de carbono apesar de positiva, pode desviar a atenção de ações essenciais para a proteção da Amazônia, levantando dúvidas sobre a efetividade da aplicação desses recursos. A ideia de “floresta em pé” simplifica problemas complexos enfrentados por comunidades indígenas e ribeirinhas. Além disso, a venda de créditos de carbono, sem análise crítica dos impactos sociais e ambientais, pode levar a novas formas de exploração e perpetuação de desigualdades. Essas são questões que estão no centro do debate ambiental no estado e afetam interesses diversos de segmentos econômicos nos municípios. Além disso, a escolha de Belém para sediar a COP 30 em 2025, impulsionada pela abordagem do governador em relação ao debate ambiental, aumenta a importância da floresta amazônica nas discussões globais sobre mudanças climáticas.
Em resumo, supomos que, embora o desempenho eleitoral do governador tenha sido expressivo, a questão ambiental e climática pode ter impactado a disputa política em regiões e cidades paraenses particularmente sensíveis a essas temáticas. De um lado, sabemos que o eleitorado reconhece a importância do tema ambiental, dados da pesquisa PVAA/UFPA mostram que o desmatamento e as queimadas são vistos como os principais problemas. Por outro, conforme indicado em artigo recente do Prof. Gustavo Ribeiro, nosso colega da UFPA, as pautas que realmente influenciam a decisão de voto parecem ser outras.
Partindo dessa importância da questão ambiental na competição eleitoral, observamos como a distribuição de prefeituras do MDB pelo estado do Pará apresentou variações significativas entre as diferentes mesorregiões. Na Tabela 1, vemos, por exemplo, que no arquipélago do Marajó, o partido conseguiu um domínio considerável, conquistando 68,8% das prefeituras e no sudoeste do estado obteve sucesso na metade dos municípios. Mas no sudoeste a porcentagem ficou mais abaixo, com o MDB conquistando metade das prefeituras.
Tabela 1 – Prefeitos eleitos do MDB em 2024 no Pará, por mesorregião.
Mesorregiões | Prefeituras | MDB | % |
Nordeste | 49 | 29 | 59,2% |
Sudeste | 39 | 23 | 59,0% |
Marajó | 16 | 11 | 68,8% |
Baixo Amazonas | 15 | 8 | 53,3% |
Sudoeste | 14 | 7 | 50,0% |
Metropolitana RMB | 11 | 7 | 63,6% |
Total | 144 | 85 | 59,0% |
Embora estabelecer uma correlação direta entre questões ambientais e os resultados eleitorais possa ser complexo, em algumas cidades e conforme ilustrado no mapa a seguir, essa conexão parece se manifestar de maneira mais clara. Na figura 1, o mapa eleitoral do Pará evidencia uma divisão clara no sul do estado, uma região historicamente mais alinhada à direita e ao bolsonarismo, como já se observou nas eleições presidenciais de 2022. Nas eleições municipais, essa tendência se repetiu, com a direita predominando e candidatos emedebistas da área fortemente identificados com o bolsonarismo. Curiosamente, no sudeste e sudoeste do Pará, onde o desmatamento é mais intenso, houve uma ausência maior de prefeitos eleitos pelo MDB.
Figura 1 – Mapa do estado do Pará, por municípios com prefeitos eleitos do MDB em 2024.
Fonte: TSE (2024), elaborado pelos autores.
Alguns exemplos para ilustrar essa situação. Em Parauapebas ocorreu a principal derrota do partido do governador Helder Barbalho no sudeste paraense. Com mais de 200 mil eleitores e a maior arrecadação de mineração do país, a cidade elegeu Aurélio Goiano (Avante), candidato bolsonarista. Em Marabá, a quinta maior cidade do estado, o MDB perdeu novamente para outro candidato de direita, o deputado estadual Delegado Toni Cunha (PL). No sudoeste do Pará, a cidade de Altamira, com mais de 85 mil eleitores e a mais alta taxa de desmatamento segundo o INPE, quem venceu também foi outro candidato bolsonarista, Dr. Loredan Mello (PSD). O desempenho do MDB nas cidades líderes em desmatamento no estado é descrito na tabela 2.
Tabela 2 – Prefeitos eleitos do MDB em 2024 no Pará, por área de desmatamento
Tipo de Município | Quantidade | MDB | % |
Maiores taxas de desmatamento | 15 | 7 | 46,7% |
Outros | 125 | 78 | 62,4% |
Total | 144 | 85 | 59,0% |
A tabela 2 mostra que o MDB teve um desempenho inferior nos quinze municípios paraenses com maiores taxas de desmatamento, em comparação a sua própria performance no restante do estado. Foram 7 prefeitos emedebistas e o restante das prefeituras ficou com PSD (5 prefeitos) e Podemos, União Brasil e Republicanos, que elegeram um prefeito cada. Mesmo assim, ao analisar as legendas individualmente, o MDB representa a maior força até mesmo nesse grupo específico de cidades com maiores taxas de desmatamento, dessa forma, isso não significa, pelo contrário, uma ausência do envolvimento de políticos do partido em atividades ilegais, há prefeitos emedebistas multados e associados a crimes ambientais. A lista de candidatos da extrema-direita eleitos no Pará e na Amazônia é extensa e muitos casos poderiam ser destacados aqui, mas nos falta espaço.
O desmatamento na Amazônia resulta em perdas significativas de floresta e biodiversidade, sendo a agropecuária um dos principais responsáveis, com a expansão de pastagens e cultivo de soja. A demanda por carne e grãos, tanto interna quanto externa, impulsiona essa remoção. A exploração madeireira ilegal e a grilagem de terras também agravam a situação, enquanto projetos de infraestrutura facilitam a ocupação desordenada. Esse é contexto das cidades nas quais os desmatamentos e igualmente as queimadas, utilizadas para limpar áreas desmatadas, espalham-se descontroladamente, exacerbando a degradação.
Para concluir, apesar das vitórias do MDB em Belém e Santarém no segundo turno, alguns focos de resistência oposicionista surgiram, particularmente mais ao sul do Pará, mas também em outras regiões, como por exemplo, Ananindeua e Parauapebas. Além disso, o partido, que na maior parte das classificações ideológicas figura como um partido de centro, ou até mesmo de centro-direita, apresenta um desempenho proporcionalmente inferior nessas áreas com maior desmatamento, abrindo brecha para partidos de direita, associados ao bolsonarismo, conquistarem mais prefeituras.
Esse cenário indica que se houver uma mudança na dinâmica política do estado nos próximos anos, a oposição mais forte possivelmente surgirá dessas lideranças, nesses contextos e regiões destacados aqui, que desafiaram a influência do governador Helder Barbalho em 2024, com um perfil bem mais à direita e contrário à agenda mais sustentável e popular do meio ambiente e das mudanças climáticas.