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O que está por trás do favoritismo de João Campos no Recife e quais seus próximos passos?

Jorge Oliveira Gomes

Talvez a característica mais marcante da atual eleição para a prefeitura da cidade do Recife seja a folgada vantagem, indicada pelas pesquisas, do jovem incumbente João Campos (PSB). Prefeito mais bem avaliado do Brasil, Campos conta com confortáveis 76% de intenções de voto. Em um longínquo segundo lugar nas pesquisas está o candidato de extrema direita e ex-ministro do Turismo do governo Bolsonaro, Gilson Machado (PL), com 9% das intenções de voto, seguido por Daniel Coelho (Cidadania), candidato da governadora Raquel Lyra (PSDB), com 5% das intenções de voto. Por fim, temos a candidata do PSOL, Dani Portela, que conta com 3% das intenções de voto e Tecio Teles, do Novo, com somente 1% das intenções. Como uma eleição municipal em clima de “já ganhou” numa capital do nordeste do Brasil pode nos dar pistas importantes sobre futuras alianças da política nacional? 

Precisamos, antes de tudo, entender quem é João Campos e em qual contexto familiar ele está inserido. João Campos é filho do ex-governador do estado de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), morto precocemente em 2014, num acidente aéreo enquanto fazia campanha buscando a Presidência da República. Eduardo Campos foi um importante governador para o estado de Pernambuco e um dos nomes de destaque do PSB nacional, tendo sido o principal herdeiro político do seu avô, o célebre Miguel Arraes. Assim que os restos mortais de Eduardo Campos chegaram ao Recife, perto da meia-noite, um caminhão do corpo de bombeiros conduziu a família e o caixão (coberto com a bandeira do estado) por bairros da cidade. Mãe e filhos (dentre eles João) vestiam uma camisa verde-amarela com o mote “não vamos desistir do Brasil!” – toada semelhante aos chavões vistos nos ainda recentes protestos de junho de 2013. De punhos cerrados, bradando os dizeres “Eduardo, guerreiro do povo brasileiro”, estava o novato João Campos. 

João Campos (com o suporte constante de sua mãe, Renata Campos, nome chave no PSB pernambucano) concentra em si grande fatia da herança política de Eduardo Campos. Ele e seu irmão, o estudante de medicina e deputado federal Pedro Campos (PSB), são as principais promessas da dinastia política Campos, oligarquia política pernambucana que ocasionalmente entra em choque consanguíneo com outro sobrenome: os Arraes. João Campos foi o político mais jovem a ser eleito prefeito do Recife em 2020, com 56% dos votos válidos. Sua principal concorrente em 2020 era, curiosamente, sua prima Marília Arraes, na época, quadro do PT, que hoje integra o Solidariedade. João tentou a prefeitura após ter sido deputado federal e chefe de gabinete do governo do estado no governo Paulo Câmara, numa carreira similar à do seu pai.

 A chapa atual de João conta com Victor Marques (PCdoB) como vice. A opção de João por um vice que não fosse do PT acabou aproximando a governadora Raquel Lyra (PSDB) do PT e de Lula. A maioria do estado de Pernambuco, inclusive, optou pela casadinha Lula-Raquel nas eleições de 2022, preterindo a candidata oficial de Lula, Marília Arraes. Isso pode estar ligado à forte comoção em torno da morte do marido de Raquel exatamente no dia do primeiro turno. Como o nome e a memória de Eduardo Campos são uma espécie de espólio disputado por atores da política local, a própria governadora, Raquel Lyra, que hoje faz oposição ao PSB, não esconde que seu pai, João Lyra, foi vice-governador de Eduardo e, ela mesma, Chefe da Procuradoria de Apoio ao Gabinete do Governador, além de Secretária da Criança e da Juventude no governo Eduardo. 

O que explica, contudo, a amplíssima vantagem de João Campos? Existem justificativas diversas sobre esse fenômeno.  João conta com o apoio maciço da fortíssima máquina partidária do PSB pernambucano, presente em diversos bairros periféricos da cidade do Recife. Ele também investiu pesadamente em marketing digital e propaganda, com foco nas redes sociais, comprando diversas páginas locais de memes e vídeos cômicos. Outro ponto a favor de João é a ausência de candidatos fortes no páreo. O deputado federal Túlio Gadelha (REDE), que chegou a lançar sua candidatura para prefeito, com a participação da ministra Marina Silva (REDE), foi defenestrado pela maioria da federação REDE-PSOL, que preferiu a menos conhecida Dani Portela (PSOL) no páreo. Túlio é visto com receio no PSOL pelo seu apoio estratégico, no segundo turno, à governadora Raquel Lyra. Não sabemos como Túlio iria performar, mas é bem provável que o certame teria sido mais concorrido. Os outros candidatos não têm se mostrado suficientemente competitivos. Gilson Machado (PL) e Daniel Coelho (CIDADANIA) apresentam tendência de crescimento, porém, Gilson possui a maior das rejeições entre os candidatos e Coelho não consegue emplacar como candidato de terceira via. 

  É importante, contudo, que se reconheça que o prefeito apostou corretamente numa fórmula política bem-sucedida, marcada por investimentos e obras públicas de alta visibilidade, que passam a impressão de um prefeito que trabalha constantemente e cuida da cidade. Muitas dessas obras foram feitas em áreas esquecidas da cidade, na periferia, com incrementos em áreas de convivência e equipamentos recreativos. João Campos contou com o apoio e know-how de boa parte do corpo técnico-burocrático que trabalhou em gestões anteriores tanto da prefeitura quanto do governo do estado e priorizou, portanto, melhorias através de investimentos em obras públicas que geram retorno eleitoral e percepção de trabalho.  

Se boa parte da estratégia do prefeito consiste em entregar equipamentos públicos de modo a se criar estatísticas e percepções positivas, muitas vezes a qualidade desses serviços está aquém do esperado. Por exemplo, um relatório técnico do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE) confirmou a existência de indícios de ilegalidades no programa Infância na Creche, da prefeitura do Recife. Outro ponto importante é o da mobilidade urbana. Recife possui hoje o pior trânsito do Brasil. João Campos ampliou o número de ciclofaixas, contudo, entidades ligadas ao cicloativismo e aos direitos urbanos destacam que essas ciclofaixas foram colocadas em locais ruins e não possuem dimensões adequadas. Os sinistros no trânsito aumentaram 116% de 2022 para 2024. Na sua gestão, João não tomou medidas mais estruturais como o rodízio de carros, já presente em outras capitais congestionadas. 

Quais os planos de João Campos no longo prazo? É difícil realizar prognósticos precisos na política, mas o atual prefeito parece mirar, no curto prazo, no governo do Estado. Embalados pelo otimismo do atual pleito, muitos observadores apostam que ele irá tentar concorrer contra a atual mandatária, Raquel Lyra, em 2026, antes mesmo de seu mandato como prefeito acabar. Outros analistas vão além e enxergam João Campos, no longo prazo, como futuro sucessor de Lula. A relação de João Campos e do próprio PSB com Lula é amistosa, porém não livre de farpas. Por um lado, o PSB apoiou o impeachment de Dilma Rousseff (PT), por outro, o atual vice-presidente, Geraldo Alckimin, está no partido. Os vaticínios grandiosos sobre João Campos podem ser enganosos e popularidade não é sinônimo de gestão excelente (e vice-versa). Fernando Haddad (PT), atual ministro da Economia e ex-prefeito de São Paulo, por exemplo, acumulou diversos prêmios internacionais por suas políticas públicas urbanas inovadoras e não foi reeleito na prefeitura. João Dória, ex-prefeito de São Paulo, já foi visto como uma promessa política e hoje está completamente apagado. Na política, eventos raros acontecem e lógicas lineares são frequentemente solapadas. João Campos, com seu sobrenome e com a assessoria de um forte corpo técnico-burocrático, conseguiu entregar de modo eficiente políticas observáveis para a população. Ao mesmo tempo, gastou bastante em propaganda em mídias digitais, se beneficiando de um problema antigo no estado: a ausência de uma oposição competitiva. Mas é preciso mais do que isso para se cacifar como uma promessa tangível na política nacional.

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Jorge Oliveira Gomes
é PhD em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco e professor substituto de Teoria Política na mesma instituição.