SPECIAL REPORTS

O fator Lula na política piauiense

Vítor Sandes e Raul Bonfim

 

Para entendermos as eleições de 2022 é importante retomar, brevemente, as disputas eleitorais passadas, sobretudo para explorar uma dimensão importante das eleições piauienses: o fator Lula.

 

As eleições de 2002 no Piauí foram um marco na história política piauiense. Naquele pleito, Wellington Dias (PT) foi eleito como governador do estado do Piauí no primeiro turno, com um pouco mais de 50% dos votos válidos, em uma disputa contra o então governador do estado, Hugo Napoleão (PFL), que obteve em torno de 44% dos votos válidos. Aquela eleição aconteceu em um contexto de polarização entre o grupo governista, liderado pelo PFL, vinculado a oligarquias históricas do estado, e a principal candidatura de oposição, liderada pelo PT, em um cenário político fortemente impactado pelo desejo de mudança política no estado.

 

Não podemos desprezar, no entanto, os elementos nacionais presentes em uma disputa estadual, sobretudo, porque as eleições brasileiras são “casadas”, ou seja, levam o eleitor a escolher, no mesmo pleito, os candidatos que ocuparão a presidência da República, o Governo do Estado, o Senado Federal, a Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmara Distrital. O ano de 2002 foi um ano de uma grande mudança política no país: a vitória de Luís Inácio Lula da Silva (PT) para a presidência da República.

 

Wellington Dias e Lula foram eleitos, respectivamente, governador do estado do Piauí e presidente da República, no mesmo pleito, com a diferença que Lula foi eleito no segundo turno. Wellington foi o primeiro governador petista de um estado do Nordeste. Antes dos efeitos observados nas eleições de 2006, em que as políticas sociais, em especial o Programa Bolsa Família, alcançaram um grande número de beneficiários na região e no estado do Piauí, em particular, Wellington Dias conseguiu se apoiar na candidatura petista no estado e utilizar sua trajetória política anterior, vinculado ao sindicato dos bancários e como deputado federal de projeção nacional, para poder lançar uma candidatura viável eleitoralmente.

 

Já naquele pleito Wellington Dias e Lula trabalhavam como uma dobradinha. O eleitor entendeu a mensagem e correspondeu nas urnas. Analisando os dados de votação das eleições piauienses do ano de 2002, por seção eleitoral, encontramos uma correlação positiva entre os votos do Lula e do Wellington Dias, no primeiro turno, de 0,96 (p-valor< 0,01), que representava uma associação forte entre as duas votações, quando consideramos a seção eleitoral como unidade de análise (não é possível desagregar mais, pois a menor unidade seria o voto) (ver figura 1).

 

Figura 1 – Correlação de Pearson entre as votações do primeiro turno de Lula e de Wellington Dias – por seção eleitoral no Piauí – 2002 e 2006.

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados do TSE.

 

Em 2006, a correlação continua fortíssima (r = 0,92, p-valor< 0,01), seguindo o mesmo padrão anterior. Desta vez, além de ganhar novamente o pleito no primeiro turno, Wellington Dias, teve quase 62% dos votos válidos em uma disputa contra o ex-governador Mão Santa (PMDB), que obteve um pouco mais de 25% dos votos válidos.

 

É interessante destacar que, em 2002, Lula não obteve a maior parte dos votos no primeiro turno no estado, alcançando 47% dos votos validos no estado. A partir de 2006, a votação de Lula no estado se ampliou e alcançou 67% dos votos válidos, seguindo o mesmo padrão nas eleições seguintes: 67%, em 2010; 71%, em 2014; e 63% em 2018. Para vencer em 2002 no primeiro turno, Wellington Dias precisou avançar um pouco mais para além do vínculo com Lula. No entanto, a partir de 2006, a base lulista no estado se ampliou e isso passou a ser fundamental para as eleições estaduais.

 

Em 2010, a conjuntura política se altera por razões institucionais: tanto Wellington Dias quanto Lula não poderiam ser mais candidatos à reeleição. Assim, o PT apoiou a candidatura do governador empossado, Wilson Martins (PSB), que era o vice-governador de Dias. Este, por sua vez, desincompatibilizou-se do cargo de governador para poder pleitear uma vaga no Senado Federal. Lula e o PT indicaram Dilma Rousseff, então ministra-chefe da Casa Civil. Analisando a associação entre as votações de Dilma com de Martins, encontrou-se uma correlação positiva de 0,86, menor do que as anteriores, mas ainda forte. Tanto Dilma quanto Martins foram eleitos, ambos no segundo turno (ver figura 2).

 

Figura 2 – Correlação de Pearson entre as votações do primeiro turno de Dilma e de Wilson Martins – por seção eleitoral no Piauí – 2010.

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados do TSE.

 

Martins obteve quase 59% dos votos válidos contra Sílvio Mendes (PSDB), que alcançou 41%. No primeiro turno, houve uma terceira força, que obteve votação expressiva, mas insuficiente para levá-lo ao segundo turno: João Vicente Claudino (PTB), que obteve 21,5% dos votos válidos. Curiosamente, esta candidatura também se vinculou à imagem de Lula, sobretudo diante do alinhamento que havia entre os partidos nacionalmente.

 

Assim, não estamos tratando nem de Lula e nem de Wellington Dias como candidatos, ainda que o capital político em jogo naquele pleito envolvia diretamente os dois políticos. Tanto Dilma quanto Wilson Martins ancoraram suas candidaturas a partir do legado e das imagens dos políticos petistas: Dilma, vinculando-se a Lula e Martins, a Lula e Wellington Dias. Provou-se, naquele momento, que Lula e Wellington Dias eram não somente os maiores cabos eleitorais dos candidatos do grupo no estado, mas, também, verdadeiros ativos.

 

Em 2014, a eleição estadual aconteceu sob uma nova conjuntura: o governador Wilson Martins se desincompatibilizou do cargo para disputar o Senado Federal, assim como fez Wellington Dias em 2010; com a diferença que eles estavam em grupos opostos desta vez. Martins apoiou seu vice, que se tornou governador com a sua saída: Antônio Moraes Souza, o “Zé Filho” (PMDB). O peemedebista foi candidato à reeleição, tendo como vice na chapa, Sílvio Mendes (PSDB). Como candidato de oposição, o senador Wellington Dias, que teve como vice Margarete Coelho (PP), e contou com o apoio de Ciro Nogueira, do mesmo partido de Coelho.

 

Dias sagrou-se vitorioso daquele pleito no primeiro turno, com 63% dos votos válidos, contra 33% de Zé Filho. Em 2018, Wellington Dias foi reeleito no primeiro turno, com 55,6% dos votos válidos, numa disputa contra o Dr. Pessoa (SD), que obteve cerca de 20,5% dos votos válidos. Nesta disputa, Dias foi apoiado, novamente, pelo PP, de Ciro Nogueira, mas contou com a vice do próprio PT: Regina Sousa. Isso movimento foi fundamental para que o partido controlasse o Governo estadual durante o processo eleitoral em 2022.

 

O que é mais interessante notar é que, mesmo em um contexto de contestação em relação ao PT nacional, o estado do Piauí conferiu em 2018 a maior votação do partido na disputa presidencial, em termos proporcionais. E isso não aconteceu somente em 2018. Como vimos, desde 2002, o PT tem tido votações expressivas no estado.

 

Assim, vincular-se ao legado lulista tem sido bastante exitoso aos candidatos petistas estaduais. Junto a isso, o próprio capital político de Wellington Dias contribuiu para seu sucesso nos dois pleitos em sequência: em 2014 e em 2018. A associação entre as votações de Wellington Dias e dos candidatos do PT à presidência da República – em 2014, com a Dilma, e, em 2018, com o Haddad – foram, respectivamente, 0,88 e 0,89, com p-valor inferior a 0,01 (ver Figura 3), o que confirma, novamente, a forte associação entre os votos dos candidatos petistas para o Governo do Estado do Piauí e para a disputa presidencial.

 

Figura 3 – Correlação de Pearson entre as votações do primeiro turno do PT na disputa presidencial e de Wellington Dias – por seção eleitoral no Piauí – 2014 e 2018.

Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados do TSE.

 

Segundo pesquisa realizada em agosto deste ano pelo IPEC, o Piauí era o estado mais lulista do país. Lula teria 69% dos votos contra 15% para Bolsonaro. O padrão, já observado nas eleições anteriores, permanece, mas com um quadro um pouco diferente. Desta vez, o candidato à presidência da República é o próprio Lula, contra um candidato bastante rejeitado no estado, o atual presidente da República, Jair Bolsonaro Por outro lado, o candidato petista na disputa estadual, Rafael Fonteles, nunca disputou cargos eletivos antes, ainda que tenha sido secretário de Fazenda durante o governo Wellington Dias, ou seja, tem uma trajetória política. Ainda assim, apresentou-se na eleição estadual ainda como um desconhecido frente a grande parte do eleitorado piauiense.

 

As pesquisas realizadas sobre a disputa no estado do Piauí ainda estão divergindo quanto ao resultado. Algumas apontam Sílvio Mendes (ex-PSDB e atualmente filiado ao União Brasil) em primeiro; outras, Rafael Fonteles, um pouco à frente. A despeito das diferenças, o único padrão observado entre todas as pesquisas é que os demais candidatos não têm se apresentado viáveis eleitoralmente, observando baixas porcentagens nas pesquisas eleitorais, o que indica uma grande possibilidade de uma decisão ainda no primeiro turno.

 

Se o lulismo preponderar nessas eleições no estado do Piauí, Rafael Fonteles têm grandes chances de ser eleito, considerando a série histórica observada nas eleições anteriores. Se Fonteles conseguir imprimir a imagem de um candidato lulista e esta informação for capaz de chegar ao eleitor na ponta, certamente poderemos encontrar outra forte associação positiva entre a votação de Lula e de Rafael Fonteles no final deste pleito. Caso contrário, o candidato de oposição, Sílvio Mendes, após duas derrotas em sequência na disputa para o Governo do Estado (em 2010 e em 2014) terá sido capaz de abocanhar votos em Lula e conseguido, de fato, estadualizar o pleito piauiense, que é a única estratégia possível para derrotar o PT no estado do Piauí. Esta reta final da campanha será decisiva para saber se Lula (e Wellington Dias) serão os fiéis da balança na eleição estadual piauiense.

 

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Vítor Sandes
Professor Adjunto da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Doutor em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Atualmente é coordenador do Curso de Bacharelado em Ciência Política da UFPI. Também coordena o Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Partidos Políticos (GEPPOL). E-mail: vitorsandes@ufpi.edu.br
Raul Bonfim
Doutorando em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). E-mail: raulbonfim16@gmail.com