Bolsonarismo, agronegócio e eleitorado evangélico: a eleição de 2022 em Rondônia

September 22, 2022

João Paulo S. L. Viana

 

Situado na região da Amazônia Ocidental, o estado de Rondônia apresenta-se como um dos casos mais provocadores da política subnacional brasileira na atualidade. Em recente levantamento sobre a eleição de 2018 realizado pelo Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal (LEGAL), verificou-se que Rondônia foi a única unidade federada em que Bolsonaro (PL), então filiado ao PSL, venceu em todos os municípios no 1o e 2o turno da disputa. Numa realidade marcada pelo predomínio de forças políticas conservadoras desde a formação como território federal, durante o Estado Novo varguista, quadro que se perpetua com a fundação do estado nos fins da ditadura militar na década de 1980, após quatro anos de um governo estadual bolsonarista, com forte apoio na Assembeia Legislativa, pode-se afirmar que a política rondoniense caracteriza-se como um exemplo notório do domínio da extrema direita.

 

Sob influência da trajetória autoritária e militar, dotado de uma elite política interiorana, concentrada no corredor da BR-364, oriunda majoritariamente do sul do País, o estado possui, proporcionalmente, um dos maiores eleitorados evangélicos entre os estados brasileiros. No plano econômico, Rondônia detém também um dos principais rebanhos bovinos do País, despontando como um importante exportador de carne, além de grande produtor de arroz, cacau, café, soja, mandioca, milho, borracha, madeira e minérios. De fato, o agronegócio e a pauta religiosa, dos valores e costumes, tem dominado a agenda política regional, algo que pode ser claramente observado na representação política rondoniana nos planos local, estadual e federal.

 

Nessa direção, nas eleições de 2022 a disputa ao executivo apresenta forte favoritismo de candidatos ultraconservadores. No início da campanha, três lideranças bolsonaristas ocupavam as primeiras posições nas pesquisas de intenções de votos. Com a desistência, motivada por problemas com a Justiça, do ex-governdor Ivo Cassol (PP), tudo indica que o segundo turno será disputado entre o atual governador Marcos Rocha (União Brasil) e o senador Marcos Rogério (PL), ambos reivindicando o apoio do presidente Jair Bolsonaro. Conforme a segunda pesquisa IPEC divulgada na último sábado, dia 17 de setembro, Marcos Rocha lidera com 38% das intenções votos, seguido por Marcos Rogério com 27%. Cumpre mencionar que, no início da campanha, Marcos Rogério acionou a Justiça para proibir o uso da imagem de Bolsonaro na candidatura de Marcos Rocha.

 

Embora no cenário atual Rocha (União Brasil) seja favorito em sua tentativa de reeleição, a desistência de Cassol (PP), em princípio, beneficiou Marcos Rogério (PL), que aparecia em terceiro lugar na primeira pesquisa e praticamente dobrou suas intenções de voto. Na terceira colocação está o deputado federal Leo Moraes (Podemos), seguido pelo ex-governador Daniel Pereira (Solidariedade) que ocupa a quarta posição. Aliado de Lula no estado, Pereira aposta suas chances de crescimento principalmente na vinculação com a candidatura petista. Numa conjuntura de radicalização conservadora, Leo Moraes e Daniel Pereira apresentam-se como alternativas moderadas de centro-direita e centro-esquerda, respectivamente. Na última colocação, encontra-se o candidato do Psol, Pimenta de Rondônia.

 

O quadro ultraconservador se repete na eleição ao Senado Federal. Dos cinco principais nomes da disputa, quatro são apoiadores de Jair Bolsonaro no estado. Conforme o IPEC, a deputada federal Mariana Carvalho (Republicanos) mantém a liderança com 26% de intenções de votos, seguida pelo ex-senador Expedito Júnior (PSD), com 19%, e a deputada federal Jaqueline Cassol (PP), que detém 14%. O atual senador Acir Gurcacz (PDT) divide a quarta posição empatado tecnicamente com Jaime Bagatoli (PL), ambos com 7%. Em um contexto de fragmentação de candidaturas ao senado com base eleitoral no interior do estado, especificamente, na região da BR-364, a ex-tucana Mariana Carvalho, candidata apoiada pelo atual governador Marcos Rocha, consolida seu favoritismo, principalmente, ao liderar a disputa com grande vantagem na capital, Porto Velho, seu principal reduto eleitoral.

 

A conjuntura favorável à direita também se confirma nas disputas proporcionais à Assembleia Legislativa e à Câmara dos Deputados. No início do ano, o presidente Jair Bolsonaro fez elogios públicos a atual legislatura do parlamento rondoniense. Inegavelmente, a ALE-RO tem seguido a cartilha do bolsonarismo, apoiando, em larga medida, a agenda implementada pelos governos federal e estadual. Sendo assim, os principais parlamentares da ALE-RO devem alcançar a reeleição. Na mesma perspectiva, a eleição à Câmara dos Deputados reproduz o cenário dos outros níveis de disputa, ainda que, em menor número, haja espaço para a vitória de candidatos moderados à direita e à esquerda.

 

Na disputa para presidente, conforme o IPEC, Jair Bolsonaro lidera com 58% das intenções de votos, seguido pelo ex-presidente Lula (PT), com 26%. Assim, a eleição em Rondônia caminha para repetir o feito bolsonarista no pleito de 2018, com grandes possibilidades de nova vitória de Bolsonaro em todos os municípios do estado, o que, se alcançado, confirmaria ainda mais as premissas expostas no início do texto. Trata-se de um case interessantíssimo no âmbito da política subnacional brasileira e que precisa ser amplamente estudado e compreendido.

 

Enquanto isso, pesquisas de organizações especializadas mostram dados preocupantes. Porto Velho possui os piores índices de saneamento básico e água tratada entre as capitais brasileiras. No plano ambiental, Rondônia apresenta 12% dos incêndios registrados recentemente no País, o que acarreta a pior qualidade do ar no mundo. No tocante à segurança pública, o estado posiciona-se no topo entre as unidades federadas com os maiores índices de mortes violentas. Diante dessa agenda radicalizada, com forte preponderância de setores evangélicos e do agronegócio, a elite política rondoniense, dotada de uma visão arcaica de desenvolvimento que remonta ao período de colonização do novo estado, segue, a passos largos, na contramão da história.

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É doutor em Ciência Política pela UNICAMP e professor adjunto da Universidade Federal de Rondônia (UNIR). Atualmente, é coordenador estadual e pesquisador do Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal (LEGAL).
João Paulo S. L. Viana