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As eleições de 2022 em Santa Catarina: entre a nova política que envelheceu e a velha política que quer rejuvenescer

Julian Borba

 

O presente paper tem como objetivo analisar a conjuntura política das eleições de 2022 em Santa Catarina, dedicando maior atenção à disputa para o governo do estado. Para isso, faremos inicialmente uma contextualização da política estadual pós 1988, chegando até as eleições de 2018. Posteriormente, apresentaremos as estratégias dos principais partidos no lançamento das candidaturas para as eleições de 2022. Na última parte, buscaremos indicar  que as eleições de 2022 e as candidaturas lançadas são resultantes de uma tendência de fragmentação e da tentativa de coordenação com as candidaturas nacionais, e que as estratégias eleitorais dos principais candidatos estão associadas a uma “nova política” que envelheceu e de uma “velha política” que pretende se mostrar rejuvenescida pelo populismo bolsonarista.

 

A política catarinense historicamente foi caracterizada pelo domínio de grupos localizados à direita do espectro político e pelo importante domínio partidário e força eleitoral de oligarquias, como os “Ramos”, “Bornhausen” e “Amin”, não por acaso, também do mesmo perfil ideológico acima (para maiores informações, ver Carreirão & Borba, 2006).

 

Considerando apenas o sistema partidário em vigência (pós 1980), até 2014 foram quatro vitórias eleitorais de candidatos a governador de partidos localizados à direita (PPR, PPB, DEM, PSD), contra quatro vitórias do centrista PMDB/MDB. Da mesma forma, esses partidos controlaram as eleições para o Senado e para as Câmaras Federal e Estadual. As eleições de 2018 mudaram este quadro de estabilidade do sistema partidário estadual, em função principalmente da chamada “onda Bolsonaro”, em que, além de Santa Catarina ter sido o estado que deu a maior votação percentual para o candidato do PSL  à Presidência, também elegeu o governador Carlos Moisés (até então um desconhecido quadro da reserva do Corpo de Bombeiro Militar), juntamente com a primeira e segunda maiores bancadas da Câmara Federal e Assembleia Legislativa (ALESC), respectivamente.

 

Para além do significado específico de uma ampla renovação na composição dos quadros do Poder Executivo e Legislativo, as eleições de 2018 podem ser vistas como sendo a radicalização de um processo que havia começado muito antes, ou seja, de um sistema partidário que se tornava cada vez mais fragmentado no âmbito legislativo, especialmente impulsionado pelo crescimento do desempenho de novos partidos de direita e redução expressiva das forças mais tradicionais (Borba, Borges, Carreirão e Graça, 2022), conforme pode ser visto na tabela 1, abaixo, através dos dados sobre o Número Efetivo de Partidos[1].

 

Tabela 1 – Número Efetivo de Partidos (NEP) nas disputas em Santa Catarina (1998-2018)

 

Fonte: Borba, Borges, Carreirão e Graça (2022).

 

Eleito com o discurso da “nova política”, se posicionando de forma crítica aos partidos tradicionais, Carlos Moisés tentou organizar o governo a partir desse discurso, à margem da “velha política”. Dessa mesma maneira foi estabelecida sua relação com a Assembleia Legislativa.

 

Esse estilo de governo e de relação com o Legislativo teve certa estabilidade ao longo de 2019, mas a partir de 2020 entrou em colapso. Dois aspectos são fundamentais quanto a isso: 1) de um lado, desde 2019 o governador tentou manter uma postura de autonomia em relação ao Presidente Jair Bolsonaro e seu governo, que chegou ao rompimento a partir da eclosão da Pandemia Covid-19, quando, de maneira contrária ao discurso negacionista do Presidente, apoiou as medidas de isolamento social e de defesa da vacinação. Isso ocasionou o rompimento com a bancada bolsonarista na ALESC e Câmara Federal e com o próprio Presidente Bolsonaro. 2) Esse distanciamento em relação ao bolsonarismo não veio acompanhado de uma busca de apoio em outros partidos. Ao invés disso, tentou estabelecer uma relação individualizada com os deputados estaduais, conferindo a liderança do governo a uma deputada de primeiro mandato, eleita pelo PDT, no momento em que a ALESC era presidida pelo deputado Julio Garcia, eleito pelo PSD, com certeza um dos maiores representantes da “velha política” no estado. Esses dois fatores ampliaram profundamente o isolamento político do governador e levaram à abertura de dois processos de impeachment contra ele, culminando em dois períodos de afastamento do cargo.

 

O último afastamento foi em março de 2021 e poucos acreditavam que, mesmo que ele conseguisse chegar ao final de seu mandato, teria força política para disputar a reeleição. O fato, porém, é que desde o primeiro processo de impeachment o governador iniciou uma reorientação em sua relação com o legislativo, trazendo para o Secretariado deputados de partidos como PP e MDB, além de entregar a coordenação política ao seu algoz (PSD) e nomear para liderança do governo na ALESC um experiente deputado do PP. Ou seja, claramente passa a atuar no sentido de construir uma ampla coalizão capaz de conferir um escudo legislativo ao governo. Era a “nova política” se rendendo à “velha”.

 

Aliado a essa mudança de postura na gestão da coalizão, desde o final de 2020 o governo começa a colher os frutos de medidas de redução de despesas adotadas desde o primeiro ano (como revisão de contratos e reforma administrativa), que juntamente com maior arrecadação e afrouxamento das regras fiscais em função da Pandemia Covid-19, trouxeram uma ampliação significativa da sua capacidade de investimento, lhe permitindo fazer investimentos vultosos em obras, além de uma política municipalista de transferências de recursos para investimentos diretos pelas prefeituras, como o Plano 1000, que inicialmente previa mais de 7 bilhões de reais em investimentos, com a transferência de mil reais per capita para que os prefeitos alocassem livremente em obras. A viabilização dessas medidas se deu de forma complementar a mudanças na Constituição estadual no sentido de eliminar mecanismos de controle na transferência de recursos e de conferir maior agilidade nesse processo (Emenda Constitucional n. 81/2021, que dispensou a celebração de convênios para o repasse de transferências voluntárias aos Municípios).

 

O fato é que o governo de 2021 e 2022 nem de longe se parece com aquele de 2019 e o governador, que estava sem partido, passa a ser cortejado para se filiar a vários daqueles representantes da “velha política”, entre os quais PP e MDB. Em nova guinada, rejeita o projeto de seu articulador político (PSD), que o queria candidato pelo MDB. Opta por se filiar ao pequeno Republicanos e lança-se candidato à reeleição, com o apoio do MDB, cujo apoio se deu muito em função da grande pressão dos prefeitos e deputados da legenda, que contrariaram a orientação inicial da direção do partido, que preferia o lançamento de uma candidatura própria.

 

Quanto às demais candidaturas, o que se observou foi uma ainda maior fragmentação que em 2018. Naquela eleição havia oito candidatos ao governo, sendo três deles políticos com longa trajetória legislativa e partidária, e representantes de partidos tradicionais da política catarinense: Mauro Mariani (PMDB), Gelson Merísio (PSD) e Décio Lima (PT). Entre os outros cinco, estava o futuro governador (na época PSL). Em 2022 são 10 candidatos ao governo. Além do governador que tenta a reeleição com um vice do MDB, no grupo da “velha política” tem-se Espiridião Amin (PP, duas vezes governador, atualmente senador), Gean Loureiro (União Brasil, ex-prefeito de Florianópolis), Jorginho Mello (PL, Senador da República), Décio Lima (PT, ex-deputado e Presidente estadual do PT), Jorge Boeira (PDT, ex-deputado).

 

Essa maior fragmentação pode ser interpretada como resultante de três fatores: 1) as estratégias locais dos partidos políticos no sentido de fortalecer lideranças ou a “marca partidária”; 2) os efeitos de mudanças institucionais, especialmente o fato desta ser a primeira eleição para os cargos legislativos estaduais e federais sob o efeito das regras que proíbem coligações (Emenda Constitucional 97, de 2017), o que pode ter ocasionado mudanças nas estratégias dos partidos de lançamento de candidaturas próprias para governador; 3) a coordenação federativa dos partidos em seu alinhamento com as candidaturas nacionais.

 

Com relação a esta última questão, isso fica claro nas dificuldades de constituição de uma frente ampla de centro-esquerda, que inicialmente contava com a participação do PT, PSB e PDT nas negociações, e que ao final foi descartada, com PT e PSB coligando-se e PDT apresentando uma candidatura própria.

 

Ainda sobre o alinhamento das candidaturas estaduais e nacionais, um aspecto relevante é que três candidatos se colocam alinhados com o Presidente Bolsonaro e disputam seu apoio. Jorginho Mello, do PL, que é do mesmo partido e foi um dos seus apoiadores de primeira hora nas eleições de 2018. Espiridião Amin, do PP, partido que está na base do governo Bolsonaro e faz parte da coligação nacional na sua candidatura à reeleição. Por fim, Gean Loureiro, do União Brasil, partido que tem candidatura própria para Presidente, mas que em âmbito regional se coloca como um aliado do Presidente. Esta disputa pela associação com Bolsonaro levou até a uma disputa judicial, com decisão de 19 de agosto proferida pela juíza Ana Cristina da Rosa Grasso, mencionando que “a vinculação da imagem do atual Presidente e candidato à reeleição Jair Bolsonaro a candidatos alheios a sua coligação produz na coletividade a sensação de afinidade política que, em verdade, não existe”. Obviamente essa disputa pelo apoio do Presidente está relacionada ao fato de que ele teve 76% dos votos no segundo turno de 2018 em Santa Catarina e, portanto, os efeitos de associação não seriam desprezíveis, mesmo num cenário em que ele já não venha a ter o mesmo desempenho eleitoral daquela eleição.

 

Voltando ao governador Moisés, que tem mantido distância em relação ao Presidente da República desde 2020, não tem indicado apoio ou associação com qualquer dos candidatos presidenciais. Sua estratégia parece ser não nacionalizar o pleito e apostar que sua política municipalista possa ser capaz de cacifar sua eleição, mesmo não estando vinculado a nenhum dos polos que disputam a Presidência. Essa aposta no municipalismo foi o que garantiu o apoio do MDB e de vários prefeitos de outros partidos, cujos exemplos mais emblemáticos são o PP de Espiridião Amin e o PSDB de seu vice, onde vários prefeitos se posicionaram contra a candidatura do ex-governador e declararam apoio à reeleição de Moises à revelia da direção dos partidos.

 

Em síntese, o interregno entre 2018 e 2022 em Santa Catarina coloca uma inversão significativa de papéis entre as principais lideranças políticas do estado. De um lado, temos uma “nova política”, que aprendeu com muito custo (dois processos de impeachment) que o presidencialismo de coalizão não é uma escolha moral, mas sim, uma derivação da configuração de nossas instituições políticas. Por outro, tem-se uma “velha política” que quer rejuvenescer, ou, ao menos, se parecer nova, especialmente apostando nos dividendos do populismo bolsonarista.

 

Referências

CARREIRÃO, Y. e BORBA, J.Os partidos na política catarinense. Eleições, processo legislativo, políticas públicas. Florianópolis: Insular, 2006.

BORBA, J; BORGES, T.; CARREIRÃO, Y.; GRACA, L. F. O sistema partidário catarinense (1998-2018): continuidades e transformações no quadro político-partidário. Sistemas partidários, partidos e eleições, 1998-2018: tendências e dinâmicas na federação brasileira / Denise Paiva, Pedro A. Pietrafesa, organizadores. – Goiânia: Ed. da PUC Goiás, 2022.

LAAKSO, M., e TAAGEPERA, R. “Effective” Number of Parties: A Measure with Application to West Europe. Comparative Political Studies, 12(1), 3–27, 1979.

 

[1] O número efetivo de partidos (Laakso e Taagepera, 1979) é uma medida que resume a competição eleitoral a partir da proporção de votos que cada partido recebeu em um pleito.

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Julian Borba
Professor Titular, Departamento de Sociologia e Ciência Política, Universidade Federal de Santa Catarina, Pesquisador CNPq.<br /> Twitter: @juliansborba<br />