A construção de uma ampla coligação em torno da Reeleição

August 30, 2022

Bruno de Castro Rubiatti

 

Desde a redemocratização a disputa para o governo do estado do Pará girou em torno de dois partidos políticos: PSDB e PMDB/MDB. De 1983 até o presente momento, o estado teve quatro mandatos de governador para o PMDB/MDB e cinco para o PSDB. Apenas em uma eleição a vitória para governador foi de outro partido: o PT governou o estado entre 2007 e 2011, com a governadora Ana Júlia. O PMDB/MDB governou o estado com Jader Barbalho por dois mandatos (1983-1987 e 1991-1994[1]), Hélio Gueiros (1987-1991) e o atual governador Helder Barbalho (2019 até o presente momento). Já o PSDB governou o estado com dois mandatos de Almir Gabriel (1995-1999 e 1999-2003) e três de Simão Jatene (2003-2007, 2011-2015 e 2015-2019). Porém, a disputa de 2022 apresenta uma transformação nesse quadro: concorrendo a reeleição, Helder Barbalho conseguiu reunir em sua coligação 16 partidos (ou 11 partidos e duas Federações[2]), incluindo o próprio PSDB (na Federação PSDB-Cidadania) e o PT (na Federação Brasil da Esperança[3]). Dessa forma, os três partidos que já governaram o estado se encontram juntos em torno de uma mesma candidatura.

 

Concorrendo contra o atual governador, temos oito candidatos: Adolfo Carneiro (Federação PSOL-REDE), Cleber Rabelo (PSTU), Dr. Felipe (PRTB), Major Marcony (SOLIDARIEDADE), Paulo Roseira (AGIR), Shirley Helena Rolim de Souza (PROS), Sofia Couto (PMB) e Zequinha Marinho (PL, coligado com PATRIOTA e PSC). Como se pode notar, a maior parte das candidaturas envolve apenas um partido isolado ou uma federação, com exceção do senador Zequinha Marinho, que envolve três partidos, número bem inferior ao da coligação do candidato a reeleição.

 

No que tange a disputa nacional, Helder Barbalho deve, formalmente, apoiar Simone Tebet (MDB) na disputa presidencial. Porém, o atual governador e candidato à reeleição também conta com o apoio do PT, do ex-presidente e atual candidato à presidência Luiz Inácio Lula da Silva. Assim, durante a campanha é provável a formação de palanque do atual primeiro colocado nas pesquisas de intenção de votos no plano nacional com Helder Barbalho. Já Zequinha Marinho (PL) foi eleito senador na esteira do bolsonarismo em 2018 e é o candidato natural de Bolsonaro (PL) no estado.

 

Pesquisas de intenção de votos realizadas no estado têm apontado para a vitória de Helder Barbalho (MDB) já no primeiro turno, muitas vezes com mais de 60% de intenção de votos. O segundo lugar ficaria com Zequinha Marinho (PL), mas com um índice de intenção de votos muito inferior: no levantamento feito pelo instituto Real Time Big Data em julho desse ano, Helder Barbalho aparece com 62% das intenções de voto, enquanto Zequinha Marinho obtém apenas 10%.

 

Sendo assim, cabe aqui perguntar “como o atual governador chegou a esse patamar, conseguindo aglutinar as principais forças partidárias do estado em torno de sua candidatura e garantir uma intenção de votos alta nesse início de campanha?”

 

O governo e seu apoio Legislativo

Desde o início de seu mandato como governador, Helder Barbalho mantém uma boa relação com a Assembleia Legislativa do Estado do Pará (ALEPA). Seu partido (MDB) possui a maior bancada no Legislativo: iniciando a legislatura com seis dos 41 parlamentares, o MDB passa para 10 parlamentares após a janela partidária deste ano, o que já pode ser visto como uma força de atração exercida pelo próprio governo estadual. Por ter a maior bancada, o partido do governador presidiu o Legislativo estadual com o Dep. Dr. Daniel Santos e Dep. Chicão, além de ocupar postos chave dentro da organização do legislativo, como, por exemplo, a presidência da comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Além de seu próprio partido, a coalizão de governo de Helder Barbalho contou com oito diferentes partidos entre 2019 e 2021, o que lhe garantiu um apoio majoritário na ALEPA.

 

Esse apoio no Legislativo pode ser observado pela própria produção legislativa do governo estadual: em levantamento sobre a produção Legislativa da ALEPA feita pelo Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazonia Legal (LEGAL), observa-se que o Executivo estadual teve 89,9% de suas iniciativas aprovadas pelo Legislativo entre 2019 e 2021 (Rubiatti et al., 2022). Além disso, nenhuma das proposições do Executivo havia sido efetivamente rejeitada, ou seja, as outras proposições do governo ainda se encontravam tramitando na casa. Por fim, a média de tempo de tramitação dos projetos do Executivo foi de 53,4 dias, bem inferior a atingida pelo Legislativo, que foi de 221 dias (Rubiatti et. al., 2022).

 

Dessa forma é possível apontar que o Executivo consegue uma alta taxa de aprovação de suas iniciativas, contando com um Legislativo cooperativo, o que lhe garante uma capacidade de realização de políticas públicas que podem afetar positivamente suas chances de reeleição.

 

A crise do PSDB no Pará

Outro fator que impacta na configuração da atual disputa estadual é a crise enfrentada pelo PSDB paraense. Essa crise pode ser notada pela própria ação do partido no estado e o posicionamento de duas grandes lideranças do partido no Pará: o ex-governador Simão Jatene e o ex-senador Flexa Ribeiro.

 

Nas eleições de 2018, o PSDB não lança candidato ao governo do estado, mas apoia o indicado pelo então governador Simão Jatene (Marcio Miranda, na época no DEM), que acaba derrotado nas eleições. Esse resultado causa o primeiro abalo nas relações do partido com o ex-governador. Em 2020, a ALEPA rejeita as contas do governo de 2018 – período em que o estado era governado ainda por Jatene –, essa rejeição contou com votos de parlamentares do próprio PSDB. No decorrer do governo Helder Barbalho, quatro deputados estaduais do PSDB atuam como apoio do Executivo, aproximando o partido da própria base do governo e frustrando possíveis pretensões do ex-governador tucano.

 

O ponto máximo desse afastamento do partido com o ex-governador se dá nas prévias realizadas pelo PSDB para indicar seu candidato a presidência. Nessa ocasião, Jatene e Flexa Ribeiro apoiam o nome de Eduardo Leite, mas o Diretório Estadual apoia João Dória. Em meio às prévias, Dória visita Belém e recebe apoio do governador Helder Barbalho, do presidente do diretório estadual do PSDB, o Deputado Federal Nilson Pinto, e do ex-prefeito de Ananindeua e, naquele momento, pré-candidato do PSDB ao Senado Manoel Pioneiro. Nas prévias, o candidato apoiado pelo ex-governador é derrotado. Na esteira da vitória de Dória, Simão Jatene anuncia sua desfiliação do PSDB. Atualmente o ex-governador está filiado ao SOLIDARIEDADE, que, nessas eleições, lançou o nome do Major Marcony para a disputa ao Executivo estadual.

 

O ex-senador Flexa Ribeiro também se desfilia do PSDB após esses fatos. Cabe notar que Ribeiro foi presidente de honra do PSDB-Pará até 2021, tendo quase 30 anos de filiação ao partido. Atualmente Flexa Ribeiro é filiado ao PP e é o candidato ao Senado desse partido.

 

Assim, é possível apontar uma aproximação do PSDB ao governo de Helder Barbalho já no decorrer do atual governo. Esse movimento, feito por parlamentares do próprio partido, descontenta uma liderança histórica do partido: o ex-governador Simão Jatene. Como dito anteriormente, Jatene foi governador do estado em três ocasiões e, inclusive, em 2010 derrotou o então candidato Helder Barbalho. Com isso, uma das lideranças do PSDB acaba por sair do partido, deixando o caminho livre para os setores que buscavam uma aproximação com Helder Barbalho (MDB).

 

Ações na Pandemia e boa avaliação do governo

Sem uma coordenação federal no combate a pandemia, coube aos governos estaduais (e, muitas vezes municipais) a adoção de medidas de enfrentamento à situação de calamidade pública. Isso não foi diferente no Pará. O governador Helder Barbalho acaba por tomar as principais medidas no estado na tentativa de mitigar os efeitos da pandemia, seja através da decretação de lockdown, da criação do plano de retomada econômica – a partir das condições epidemiológicas das regiões do estado –, criação de linha de financiamento a empresários e empreendedores do estado, criação de hospitais de campanha, compra de insumos hospitalares e, por fim, o plano estadual de vacinação. Em todas essas medidas o governo estadual contou com a célere colaboração do Legislativo.

 

Mesmo com as suspeitas de corrupção e superfaturamento na compra de insumos hospitalares, a ação do governo foi bem avaliada pela população, tanto que mesmo depois de decretar o lockdown em dez cidades do estado – incluindo a capital – e ter estabelecido as medidas mais rígidas de distanciamento social, a avaliação positiva do governo se mantinha acima de 50%, chegando a 57% de avaliação ótimo/bom em momento crítico da pandemia – junho de 2020.

 

Assim, essa boa avaliação das ações de enfrentamento a pandemia, somado a forte capacidade do governo estadual em aprovar sua agenda política contribuem para uma boa avaliação do governo, o que se reflete em um bom desempenho nas pesquisas de intenção de votos. Fora isso, o governador Helder Barbalho também conseguiu se apresentar como contraponto ao governo Bolsonaro no que tange a política ambiental – inclusive com ativa participação na Conferência Mundial do Clima –, apesar de seu governo não ter resultados tão positivos no que tange a questões ambientais.

 

Em suma, a criação de uma imagem de um governador opositor ao governo federal em temas que ocupam espaço central no debate público – como a questão da pandemia e meio ambiente – e a sua capacidade de aprovar e aplicar sua agenda política no estado, deram ao Helder Barbalho uma considerável taxa de aprovação do governo estadual e acabam fortalecendo sua candidatura à reeleição, culminando na grande vantagem que ele tem no que se refere as intenções de votos até o presente momento.

 

Considerações Finais

A atual disputa para o governo do Pará apresenta como característica a formação de uma ampla coligação em torno da candidatura a reeleição de Helder Barbalho. O atual governador construiu uma aliança com os principais partidos do estado: PT e PSDB. O PT já havia apoiado Helder Barbalho no segundo turno das eleições de 2018, tendo inclusive indicado um nome para compor o secretariado do governo (Inocêncio Gasparim – Secretaria de Estado de Assistência Social, Trabalho, Emprego e Renda), e agora já o apoia a partir do primeiro turno. O PSDB passa por uma aproximação durante o mandato, tendo inclusive deputados estaduais integrando a base do governo. Em ambos os casos a aproximação não foi sem crises: pelo PT houve descontentamento por parte da militância e de alguns diretórios municipais; já pelo PSDB, a aproximação levou ao afastamento de um dos nomes fortes do partido (o ex-governador Simão Jatene).

 

A formação de uma grande coligação também dá vantagens ao candidato a reeleição, seja pela rede de apoio junto a prefeitos, seja pelo próprio tempo no horário de propaganda eleitoral. Somado a isso, a boa relação entre o governo e a ALEPA garantiu ao governo do estado a realização de boa parte de sua agenda, fortalecendo a imagem do próprio governador. Ainda sobre essa imagem, Helder Barbalho conseguiu construir com relativo sucesso uma reputação de “opositor” do governo federal, em especial por sua ação no combate a pandemia, mas também por seu discurso em defesa da Amazonia e do meio ambiente (mesmo que nesse quesito, seu governo não tenha tantos avanços para mostrar e mantenha uma relação próxima com setores do agronegócio do estado).

 

Por fim, o principal concorrente não ganhou grande destaque. Apesar de seu alinhamento ao bolsonarismo, Zequinha Marinho (PL) não conseguiu se mostrar como um concorrente forte até o presente momento. Por outro lado, o apoio de Lula à Helder barbalho pode gerar ganhos ao candidato ao governo estadual, mesmo que, formalmente o palanque do Helder seja de Simone Tebet (MDB).

 

Referências

RUBIATTI, B. C.; SILVA, R. E. S.; DOLANDELI, R.; SOUZA, C. A.; COSTA, M. (2022). Mapeando a produção legislativa da Assembleia Legislativa do Estado do Pará (ALEPA): 2019-2021. Disponível em: https://legal-amazonia.org/mapeando-a-producao-legislativa-da-assembleia-legislativa-do-estado-do-para-alepa-2019-2021/

 

[1]Em abril de 1994, o então governador Jader Barbalho renuncia para concorrer a uma vaga no senado, assumindo o vice-governador Carlos Santos (PPB)

[2]Além das duas federações, os partidos que compõem a coligação para a reeleição de Helder Barbalho são: MDB, PP, PSD, PDT, REPUBLICANOS, AVANTE, PODE, UNIÃO, DC, PTB E PSD

[3]A Federação Brasil da Esperança é composta por PT, PCdoB e PV

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Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política (PPGCP) e da faculdade de Ciências Sociais (FACS) da UFPA. Coordenador do Grupo de Pesquisa “Instituições Políticas: processo Legislativo e Controle”. Doutor em Ciência Política pela Unicamp e pós-doutorando junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFMG. Redes sociais:
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Bruno de Castro Rubiatti