Maria do Socorro Sousa Braga
O histórico das eleições para prefeito em São Paulo revela que, no período de 1985 a 2020, as preferências do eleitorado resultaram em um padrão de alternância de forças políticas ideologicamente antagônicas. De acordo com essa constatação, o que é esperado para 2024? Qual direção é indicada pelas últimas pesquisas de opinião? Essas são as perguntas que vamos discutir nesta breve avaliação.
Em 1985, na inauguração do retorno do pluripartidarismo em turno único, a maioria dos paulistanos elegeu o conservador Jânio Quadros (PTB) para o comando do executivo municipal. Quadros, contando com apoio de parte do empresariado e de setores e figuras conservadores da sociedade paulistana, como a organização Tradição, Família e Propriedade (TFP), a Opus Dei e o ex-governador Paulo Maluf, entre outros, derrotou o candidato situacionista, senador Fernando Henrique Cardoso (PMDB).
Nas eleições seguintes, realizadas em 1988, e ainda em turno único, seria eleita a petista Luiza Erundina pela coligação Partidos do Povo (PT/PCB/PcdoB). A esquerda, por margem apertada de votos, venceria o candidato da direita conservadora, o ex-governador Paulo Maluf (PDS) pela coligação Participação (PDS/PJ/PNA/PRP/PPB). Mas no pleito de 1992, previsto, pela primeira vez, para ser decidido em dois turnos, desde que um candidato não conseguisse mais de 50% dos votos válidos no primeiro turno, a direita voltou ao poder municipal com Maluf à frente da coligação Boa Sorte São Paulo (PDS/PTB/PL), derrotando a esquerda, com o então senador Eduardo Suplicy (PT) concorrendo pela coligação Partidos do Povo (PT/PSB/PcdoB/PC), no segundo turno. Em 1996 a direita conseguiu permanecer no controle da prefeitura paulistana com a coligação Não Deixe São Paulo Parar (PPB/PFL), elegendo o então secretário municipal de Planejamento de Maluf, o economista Celso Pitta (PPB), no segundo turno. O campo da esquerda, representado pela coligação SIM por São Paulo (PT/PSB/PCB/PcdoB/PMN), ficou em segunda posição com a então deputada federal Luiza Erundina.
Nas primeiras eleições do século XXI, a esquerda, com a então deputada federal Marta Suplicy, apoiada pela coligação Muda São Paulo (PT/PCdoB/PCB/PHS), retomou o controle da capital paulistana, derrotando o candidato de uma parte da direita, o ex-prefeito Paulo Maluf (PPB) no segundo turno. Essa eleição marcou uma divisão em ambos os blocos ideológicos e a erosão do malufismo. Em 2004, a centro-direita, com o então senador José Serra (PSDB), em coligação com o PFL, partido que indicou o vice, o então deputado federal Gilberto Kassab, derrotou a petista Marta Suplicy, que buscava a reeleição. Com a eleição de Serra para o governo do estado, em 2006, Kassab assumiu a prefeitura da capital. Na eleição municipal de 2008, a centro-direita se mantém no cargo, reelegendo Gilberto Kassab (DEM) à frente da ampla coligação São Paulo no Rumo Certo (DEM/PMDB/PR/PRP/PV/PSC). A coligação da esquerda, Uma Nova Atitude para São Paulo (PT/PCdoB/PDT/PTN/PRB/PSB), ficou novamente na segunda posição, com a então Ministra do Turismo Marta Suplicy.
Em 2012, a esquerda retorna ao controle do executivo municipal com o petista e Ministro da Educação Fernando Haddad à frente da coligação Para Mudar e Renovar São Paulo (PT/PCdoB/PP/PSB). A direita, representada pela coligação Avança São Paulo (PSDB, PSD, DEM, PV, PR), tendo o ex-governador José Serra como candidato, ficou em segundo lugar. Na eleição de 2016, a direita volta ao poder com a ampla coligação Acelera SP (PSDB/PP/DEM/PTN/PMN/PPS/PHS/PSL/PMB/PR/PRP/PTC/PTdoB/PSB/PV), com o ex-presidente da Embratur no Governo Sarney, João Dória, elegendo-se no primeiro turno. O petista Fernando Haddad, que buscava a reeleição pela coligação Mais São Paulo (PT/PCdoB/PDT/PROS), teve cerca de 17% dos votos. Em 2018, com a renúncia do prefeito Dória para disputar o governo do estado de São Paulo, seu vice, Bruno Covas (PSDB), assumiu o executivo municipal. Na disputa de 2020, Bruno Covas se reelegeu pela coligação de centro-direita Todos por São Paulo (PSDB/MDB/PODE/PP/PSC/PL/CIDADANIA/DEM/PTC/PV/PROS). A esquerda, encabeçada pelo PSOL na coligação Pra Virar o Jogo (PSOLPCB/UP), representada pelo então deputado federal Guilherme Boulos, ficou com a segunda maior votação. Neste pleito, o PT teve o seu pior resultado na capital paulista.
De acordo com o padrão identificado acima, a expectativa é de que, em 2024, a esquerda, coordenada pela coligação Amor por São Paulo (Fed PSOL e REDE, Fed Brasil (PT/PCdoB/PV), PDT/PMB/PCB), encabeçada pelo deputado federal Guilherme Boulos, vença o pleito, ficando, em segundo lugar, a direita conservadora apoiada pela coligação Caminho Seguro para São Paulo (MDB/PL/PP/REPUBLICANOS/UNIÃO/PSD/Solidariedade/Agir/Avante/PRD/MOBILIZA/PODE), tendo à frente o atual prefeito Ricardo Nunes, que busca a reeleição.
No entanto, fatores circunstanciais podem alterar esse padrão, aumentando a imprevisibilidade do resultado deste pleito. Em primeiro lugar, o atual prefeito Ricardo Nunes (MDB) conta com apoio do arco de partidos que unifica o centro e as direitas tradicional e a radical. Com isso, ele conseguiu aumentar a gama de recursos (financeiros e de tempo no HGPE – concentrando 65% do total) disponíveis para sua campanha, por um lado, e ampliou sua entrada em públicos do eleitorado paulistano refratários ao candidato da esquerda Guilherme Boulos e ao PT, por outro lado. Entre esses segmentos populacionais estão setores empresariais, segmentos dos evangélicos e parte dos eleitores dos bairros da periferia da capital.
Em segundo lugar, Ricardo Nunes tem a seu favor a máquina municipal e uma taxa de aprovação razoavelmente alta (cerca de 35% pela pesquisa Quaest realizada entre 8 e 10 de setembro), bem como os apoios do governador do estado Tarcísio de Freitas (Republicanos), cuja gestão é aprovada por cerca de 40% dos eleitores paulistanos, e, mesmo que discreto, do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que buscam transferir seus votos para Nunes. Com diferentes estratégias de atuação ao longo da campanha eleitoral, o governador republicano tem sido o agente fundamental na articulação com o bolsonarismo. De acordo com última pesquisa Datafolha (10 a 11 de setembro), Nunes conseguiu ampliar suas intenções de voto entre bolsonaristas que votaram no ex-presidente Bolsonaro e em Tarcísio em 2022, depois de uma série de atividades de campanha conjuntas entre o prefeito e o governador, inclusive na propaganda eleitoral na grande mídia, que teve início há duas semanas. Entre os eleitores de Tarcísio, o prefeito cresceu de 30% para 42%, em uma semana. Em relação a quem votou no segundo turno de 2022 em Bolsonaro, Nunes foi de 31% para 39%. Ao mesmo tempo, o candidato situado na extrema direita, Pablo Marçal (PRTB), vem perdendo espaço sobre esse eleitorado. O apoio de quem votou no governador caiu de 45% para 36% e entre aqueles do ex-presidente oscilou de 48% para 42%. O prefeito candidato também vem conseguindo entrar no eleitorado lulista, registrando 19% das intenções de voto desse eleitorado, mesmo após a participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na propaganda eleitoral de Guilherme Boulos (Psol). Por outro lado, Boulos vem ampliando seu apoio nesse eleitorado lulista, chegando a 48% das intenções de voto, o qual poderá levá-lo a um eventual segundo turno.
Qual a direção indicada pelas últimas pesquisas de opinião? De acordo com a pesquisa do Datafolha deste mês, o atual prefeito tende a se reeleger. Na pesquisa anterior, houve um triplo empate técnico entre Nunes, Boulos e Marçal, com liderança numérica do pesolista. Neste último levantamento, o prefeito está à frente e empatado tecnicamente apenas com Boulos. Já Boulos está empatado com Marçal no limite da margem de erro da pesquisa. Nunes cresceu oito pontos desde o início da campanha, em 16 de agosto. O prefeito tinha 19% na pesquisa feita entre 20 e 21 de agosto, passou para 22% na semana passada e agora conta com 27%. Boulos foi de 23% para 25% em uma semana. Marçal oscilou negativamente de 22% para 19%. Os resultados podem ser vistos abaixo:
Fonte: Poder 360, em 12/09/2024. Disponível em: https://www.poder360.com.br/poder-eleicoes/datafolha-nunes-vai-a-27-contra-25-de-boulos-e-19-de-marcal/
Outro indicador da direção desta disputa vem da fotografia revelada por essa pesquisa no que diz respeito a um eventual segundo turno. Nesse caso, Nunes venceria Marçal por 59% a 27%, uma diferença maior do que a registrada na semana passada, de 53% do prefeito e 31% do ex-coach. Em relação a Boulos, o prefeito ganharia por 53% a 38% — anteriormente, 49% a 37%. Já em uma disputa entre Boulos e Marçal, o candidato do Psol venceria por 47% a 38%. Na pesquisa anterior, Boulos tinha 45% e Marçal, 39% no segundo turno. Com a entrada da campanha pelo voto útil para tirar Marçal da disputa da segunda vaga, tanto Boulos quanto Nunes tendem a se beneficiar. Já Marçal, além de oscilar negativamente, teve sua rejeição aumentada de 38% para 44% em uma semana. Enquanto Boulos é rejeitado por 37% e Nunes, por 21% dos paulistanos.
Restando 21 dias para o primeiro turno dessas eleições, os próximos lances dos dois principais candidatos serão cruciais para sabermos se essa disputa entre direitas e esquerda se resolverá já no primeiro turno, quebrando o padrão esperado, ou se vamos decidi-la no segundo turno.