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Eleição para a prefeitura de Salvador (2024)

Renato Francisquini

Apresentação das principais candidaturas

No último dia 8 de agosto foram confirmadas as candidaturas para a Prefeitura e a Câmara dos Vereadores em todo o Brasil. Em Salvador, cidade com quase 2,5 milhões de habitantes, com as suas inúmeras belezas e mazelas, foram registradas 7 candidaturas para prefeito(a) e 832 para vereador(a). Não foi divulgada até o momento a proporção de candidaturas por gênero e raça. Mas este é um dado que deverá merecer a atenção dos(as) analistas ao longo da campanha, pois trata-se de tema bastante caro à população da capital baiana.

O grupo político ligado ao ex-prefeito, ACM Neto, do União Brasil, aparece com favoritismo mais uma vez. Neto foi prefeito da capital por dois mandatos, tendo sido eleito pela primeira vez em 2012, em pleito disputado contra o candidato do Partido dos Trabalhadores, Nelson Pellegrino. Naquele ano, a eleição foi ao segundo turno e o herdeiro político da família Magalhães obteve pouco mais de 53% dos votos. Desde então, o predomínio do grupo político parece ter se estabelecido de forma indisputável. Em 2016, Neto se reelegeu com quase ¾ dos votos válidos.

Embora não tenha obtido vantagem tão expressiva, Bruno Reis (União Brasil), que foi vice-prefeito durante os mandatos de ACM Neto, recebeu mais de 60% dos votos já no primeiro turno de 2020. Naquele ano, o então candidato era filiado ao DEM. As sondagens realizadas até o momento registram vantagem para o candidato à reeleição, sugerindo a possibilidade de vitória no primeiro turno. Pesquisa realizada pelo instituto Futura Inteligência, entre os dias 6 e 12 de agosto, mostra o atual prefeito com 61,2% de intenções de votos, seguido por Geraldo Júnior (MDB), 13,8%, e Kleber Rosa (PSOL), 4,2%.

Texto

Descrição gerada automaticamente com confiança média

A chapa do candidato à reeleição, que conta com a vice-prefeita, Ana Paula Matos (PDT), reúne uma coligação de 12 partidos. Além do União Brasil e do PDT, compõem a coligação PP, Republicanos, PSDB, Cidadania, PL, DC, PRD, Novo, PMB, PRTB e PMN.

Já Geraldo Júnior (MDB), candidato apoiado pelo presidente Lula e pelo governador do estado, Jerônimo Rodrigues (PT), conseguiu aglutinar uma parte significativa dos partidos que estão mais próximos do PT no governo federal. A coligação “Salvador Pra Toda Gente”, formada pelo candidato e pela ex-secretária estadual de Assistência e Desenvolvimento Social, Fabya Reis (PT), é constituída por 10 partidos: além do MDB, partido do cabeça de chapa, apoiam a candidatura PSD, PSB, Avante, Podemos, Solidariedade, Agir e a federação PT, PCdoB e PV.

Kleber Rosa (PSOL), por sua vez, forma a chapa apoiada pela Federação PSOL-Rede com a candidata a vice, Miralva Alves Nascimento, popularmente conhecida como Dona Mira, também do PSOL. Tanto Kleber quanto Dona Mira são ligados ao campo popular e aos movimentos sociais. O candidato coordena a Federação dos Trabalhadores Públicos da Bahia (Fetrab), enquanto a vice está na coordenação do Movimento Sem-Teto da Bahia (MSTB).

Polarização em Salvador e na Bahia

Para além do aspecto anedótico, que observamos no senso comum das análises políticas, é possível afirmar que a sociedade brasileira vem passando por um processo paulatino de transformação da polarização partidária em polarização afetiva. Nas eleições nacionais e em alguns estados, a divisão na sociedade brasileira se organizou em torno das lideranças do atual e do ex-presidente da República. Os grupos formados em torno do presidente Lula e do ex-presidente Jair Bolsonaro, diferentemente do que ocorria em um contexto de polarização partidária e ideológica, tornam-se inimigos existenciais. Com o processo de “calcificação política”, o abismo entre os grupos ganha dimensões cada vez maiores.

Esse antagonismo, contudo, não se reproduz da mesma forma nas eleições regional e local, nem no estado da Bahia, nem na cidade de Salvador. Na disputa pelo governo do estado, em 2022, o candidato bolsonarista, João Roma (PL), recebeu menos de 10% dos votos válidos, tendo ficado fora do segundo turno. Segundo turno que foi disputado entre Jerônimo Rodrigues (PT) e ACM Neto (União Brasil). Nesse caso, embora Jerônimo tenha mobilizado o afeto da população por meio do seu vínculo com Lula, Neto não se aproximou em nenhum momento de Bolsonaro. Talvez, o que explique essa estratégia, seja o fato de o candidato petista ter alcançado mais de 70% dos votos no estado, vencendo em 415 das 417 cidades baianas. Não faria sentido para ACM Neto associar seu nome ao do candidato então presidente.

Outro fato interessante sobre a disputa para a prefeitura de Salvador é a lógica invertida em relação à eleição estadual. Enquanto, no estado, o PT tem sido capaz de manter sua hegemonia desde o pleito de 2006, o mesmo não acontece na capital baiana. A última vitória do campo da centro-esquerda no município foi em 1992, com Lídice da Matta, hoje no PSB, que à época era filiada ao PSDB. Parte dos analistas sugere que o PT, apesar da boa votação que tem obtido nas eleições presidenciais, negligenciou a construção de lideranças de esquerda na cidade. O fato é que o partido, em particular, e o campo da centro-esquerda, em geral, não conseguiram, na última década, viabilizar uma candidatura forte, com condições de se contrapor ao grupo do ex-prefeito – embora disponham de lideranças importantes no legislativo.

A escolha por Geraldo Júnior se explica, em parte, por essa razão. De outra parte, ela tem a ver com a estratégia do PT, liderada por Lula, de compor com os partidos da base de apoio ao governo federal uma espécie de frente ampla nas eleições municipais. O partido, que muitas vezes foi acusado por seus opositores e até por aliados históricos de ter um perfil hegemonista, parece fazer um esforço agora para abrir mão da cabeça de chapa e apoiar candidaturas de partidos aliados no plano nacional, ainda que os candidatos não sejam necessariamente de esquerda.

O perfil do candidato do MDB, apoiado por Lula e Jerônimo, não agrada a muitos líderes do campo de centro-esquerda. Segundo vereador mais votado nas eleições de 2020, com 12.906 votos, “Geraldinho” tem uma trajetória que o distancia das pautas historicamente defendidas pelo PT e os partidos ideologicamente identificados com o campo popular. Nos dois mandatos anteriores como vereador, esteve sempre na base de apoio ao prefeito ACM Neto, o que o levou, em seu terceiro mandato, na gestão de Bruno Reis, a ser escolhido para presidir a Câmara de Vereadores de Salvador. Como mostra reportagem da Veja, sua atuação no legislativo municipal o colocou em linha de combate com a esquerda, sobretudo na pauta ambiental e das políticas de ocupação do solo, em que sempre se posicionou como aliado de primeira ordem do mercado imobiliário. 

Foi apenas em 2022, com as movimentações para a formação das candidaturas ao governo do estado, que Geraldo Júnior se aproximou do PT, abandonando a base de apoio ao prefeito da capital para se tornar candidato a vice na chapa de Jerônimo Rodrigues. Embora algumas lideranças do partido tenham se oposto à indicação, a decisão por seguir a estratégia nacional prevaleceu. As principais lideranças do grupo político estiveram presentes na convenção que selou a escolha, entre eles, os senadores Jaques Wagner (PT) e Otto Alencar (PSB) e o ministro Rui Costa (PT).

Os principais temas da campanha

O debate realizado pela Band em 9 de agosto, evidenciou a linha argumentativa que os principais candidatos deverão seguir até o dia da votação. As críticas de Geraldo Júnior e Kleber Rosa ao atual prefeito enfatizaram a mobilidade urbana e, principalmente, o transporte público. Ao longo dos últimos mandatos, diversas linhas de ônibus foram encerradas pela prefeitura, tendo causado forte comoção na população soteropolitana. Também foi lembrado pelos concorrentes os índices de pobreza e desocupação na cidade, entre os maiores do país.

Kleber Rosa não deixou de marcar as suas diferenças em relação a Geraldo Júnior. O candidato do PSOL cobrou de Geraldinho uma autocrítica à sua participação nos governos de ACM Neto e do próprio Bruno Reis, como mencionamos acima.

Bruno Reis, por seu turno, procurou rebater os argumentos identificando o candidato do MDB com as gestões anteriores à chegada de seu grupo político à prefeitura, quando, segundo Reis, Salvador teria indicadores muito piores do que os alcançados pela gestão recente. O prefeito ressaltou ainda que muitos dos problemas apresentados por Geraldinho e Kleber Rosa decorrem da má administração do governo estadual. Além disso, o prefeito atribuiu a Kleber Rosa uma falta de experiência administrativa, o que o teria levado a formular propostas irrealizáveis, como a tarifa zero no transporte público.

Seria temerário fazer previsões com a campanha tendo iniciado oficialmente há menos de uma semana (16/08) e o Horário Eleitoral ainda não ter começado. Porém, como indicam as pesquisas ao menos desde o mês passado, assim como a história recente das disputas para a prefeitura de Salvador, Bruno Reis desfruta, no momento, de uma vantagem confortável. A Quaest realiza pesquisa nesse momento na cidade, a primeira após o debate de 9 de agosto. Vale a pena acompanhar de perto as próximas sondagens para entender qual caminho a população de Salvador irá escolher para a administração da cidade nos próximos 4 anos.

This article presents the views of the author(s) and not necessarily those of the PEX-Network Editors.

Renato Francisquini
é Professor do Departamento de Ciência Política e do Programa de Pós-Graduação da UFBA. É pesquisador do Centro de Estudos e Pesquisas em Humanidades (CRH), do Grupo Democracia, Participação e Representação (Depare) e do Núcleo de Pesquisa em Teoria Política e Instituições.