Eliene Sousa Silva
Enquanto o governo Bolsonaro não priorizou a agenda de saúde, os representantes do Congresso Nacional ganharam visibilidade com atuação, especialmente, com a pandemia de Covid-19, onde ações do legislativo foram cruciais para garantir o acesso da população aos serviços de saúde. Embora a atuação dos parlamentares esteja fortemente vinculada a apresentação de projetos de leis, fiscalização e atuação nas comissões, existem outras formas de os representantes operarem na esfera legislativa, seja a partir de grupos de parlamentares organizados por meio de bancadas articulando sobre questões de interesses específicos – por exemplo, bancada evangélica, bancada ruralista –, ou mediante Frente Parlamentar.
No entanto, no Congresso Nacional, especificamente na área da saúde, não se observa grupos de parlamentares organizados em bancada, e sim um histórico da criação de Frente Parlamentar sobre a temática. Dessa forma, para observar a articulação dos parlamentares nessas questões, importa enfatizar o papel da Frente Parlamentar da Saúde (FPS) e da Frente Parlamentar Mista da Saúde (FPMS) na atual legislatura. Diferente da bancada parlamentar, que se configura como um agrupamento parlamentar informal, a Frente Parlamentar é um órgão formal que requer a adesão de no mínimo um terço dos parlamentares, de várias agremiações partidárias, para promover aperfeiçoamento da produção legislativa sobre seu tema de atuação. Desse modo, devido a importância desse mecanismo de atuação, cabe analisar a configuração da FPS e FPMS formada no início da 56ª legislatura e indicar possível cenário para a próxima legislatura que se inicia em janeiro de 2023.
Característica da FPS e FPMS no Congresso Nacional
A atuação de Frentes Parlamentares na Câmara dos Deputados foi regulamentada por meio do Ato da Mesa Nº 69 de 2005, que estabeleceu a criação e registro desse instrumento para o aprimoramento da legislação federal. A partir da criação e registro a cada legislatura, as Frentes Parlamentares passam a operar dentro da jurisdição proposta. Em relação à Frente Parlamentar de Saúde (FPS), as atividades se iniciaram em fevereiro de 2019 com a adesão de 204 deputados federais para propor medidas de atenção ao enfrentamento de questões relativas à saúde. Presidida pelo Deputado Federal José Rocha (UNIÃO), a FPS apresenta uma configuração marcada pela presença de parlamentares de várias agremiações partidárias. No que tange a representação dos partidos que integram a frente no início dos trabalhos, destaca-se o PL com maior número de adesão 14,2%, seguido pelo PT com 12,8%, já os demais partidos como MDB, PP, PSD, UNIÃO e REPUBLICANOS possuem juntos uma participação de 47,3% à FPS. A regra para participar da Frente Parlamentar é assegurada pela assinatura do termo de compromisso no ato da criação da Frente. Contudo, é comum a assinatura de representantes de outras áreas como forma de garantir que seus pares apoiem a Frente de seus interesses. Portanto, o fato de os parlamentares assinarem o termo não garante que todos participem ativamente nas demandas de interesse do órgão.
A Frente Parlamentar Mista da Saúde (FPMS) é uma composição mista representada por deputados Federais e Senadores de caráter suprapartidário. Fundada em 1993, e reinstalada a cada legislatura desde 2003, a FPMS atual é presidida pela deputada Carmem Zanotto (PPS). O início dos trabalhos na 56ª legislatura ocorreu em fevereiro de 2019, com a adesão de 199 parlamentares divididos entre 176 deputados e 23 senadores. Quando se observa a participação entre os partidos os dados mostram que, diferente do que ocorreu na FPS, os partidos com maior número de participação são PP e PL com 14% e 14,6% respectivamente. Nesse aspecto, a despeito dessa composição, os dados sugerem que a adesão dos partidos tem efeito prático não apenas para instituição da Frente como mecanismo de articulação de interesses à agenda de saúde e sim como estratégia política.
Tabela 1- Partidos com maior participação na composição da FPS e FPMS.
Fonte: Câmara dos Deputados.
Quando se observa a composição ideológica dos partidos[1] (gráfico 1), nota-se que os parlamentares de direita ocupam majoritariamente as duas frentes. Na FPS a configuração geral de participantes é marcada pela distribuição de 63,7% dos deputados situados no espectro ideológico à direita. Do mesmo modo, na FPMS esse número representa pouca variação com 66% estando essa arena mais representada por partidos ligados ao governo os quais são maioria no Congresso. Os partidos situados ideologicamente ao centro, tanto na FPS quando na FPMS se mantiveram constantes com mesma distribuição de parlamentares, e a esquerda tendo a menor participação dos parlamentares oscilando entre 15,2% e 12% nesse espectro.
Gráfico 1 – Distribuição ideológica das frentes parlamentares vinculadas à saúde: FPS e FPMS (2019-2022)
Fonte: Câmara dos Deputados. Com base em Tarouco e Madeira, 2015.
As Frentes Parlamentares de saúde apresentam perfis bastantes heterogêneos, sendo integradas tanto por congressistas com formação técnica na área da saúde quanto com formações diversas, com predominância destes últimos. Contudo, é relevante destacar que, por se tratar de uma área que atrai atenção pública, sobretudo da mídia, a ocupação desses espaços pode ser utilizada como estratégia política pelos parlamentares, dada a saliência política dessa área no contexto legislativo. Além disso, esse quadro pode ser reforçado pela composição geral dos representantes no plenário da Câmara dos Deputados e do Senado. No entanto, é interessante enfatizar que a presença de profissionais vinculado à área de saúde não garante maior atuação dos parlamentares, contudo, a vinculação profissional mostra algum grau de expertise sobre o tema.
Frente Parlamentar de Saúde após as eleições 2022
Com o resultado das eleições, o quadro em relação à participação dos parlamentares em matérias de saúde no âmbito da FPS ganha outra configuração. O novo cenário de ocupação na FPS, evidencia uma participação concentrada nos partidos de direita e tímida representação de parlamentares vinculados área de saúde. Tendo em vista a regra de participação mista para a FPMS, e a renovação para o senado este ano ser constituído por um terço dos senadores, optou-se por utilizar informações apenas a FPS.
Tabela 2: Membros reeleitos da FPS nas eleições de 2022.
Fonte: Câmara dos Deputados e TSE.
A renovação dos membros que compõem a FPS, foi marcada pela reeleição de apenas (46,6%) dos deputados. Os partidos com maior número de legisladores reeleitos foram o PL com 79,3% parlamentares, seguido do PT que ocupa 72% da distribuição de cadeiras na FPS. Cenário que reflete a distribuição de cadeiras na Câmara com os dois partidos representando a maior bancada partidária após as eleições. Os demais partidos que fazem parte da frente, como REPUBLICANOS, MDB, UNIÃO e PSD, tiveram menos sucesso na reeleição dos atuais membros da Frente.
Além disso, no que se refere à distribuição ideológica, a renovação na FPS obteve maioria entre os partidos situados no espectro ideológico à direita com (62%) dos deputados reeleitos. Os partidos de centro e esquerda que participam como membros da frente de saúde, aparecem como minorias e possuem juntos 38% dos reeleitos em 2022.
Assim, o fracasso na reeleição de número expressivo dos atuais membros da frente pode sinalizar uma mudança importante no seu perfil e indica uma composição bastante heterogênea a partir de 2023.
A FPS e a FPMS foram mecanismos de participação utilizado, majoritariamente, pelos partidos de direita que são alinhados ao governo Bolsonaro (PL), com pouca variação na participação dos partidos de esquerda e centro. Além disso, observou tímida aderência de parlamentares com histórico de atuação na área de saúde na Câmara dos Deputados. Como mencionado, a participação dos deputados na Frente Parlamentar depende da assinatura voluntária, porém, não garante que todos os que aderem atuem ativamente. A composição das frentes na temática saúde, de maneira específica, é uma agenda em aberto com a renovação das Casas legislativas novos arranjos podem ser construídos no começo da próxima legislatura.
[1]Tipologia partidária utilizada de acordo com Tarouco e Madeira, 2015. https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/civitas/article/view/18077/pdf_20