Kelly Cristina Costa Soares e Rafaela Rocha Arnaud
Eleições são ferramentas importantes para a democracia e são consideradas um critério mínimo para identificação do regime democrático, segundo Adam Przeworski. Tendo em vista a necessidade de analisar como os seus resultados vêm sendo desenhados no cenário subnacional, busca-se pontuar alguns aspectos do processo eleitoral de 2022 no estado da Paraíba.
Na Paraíba, o comparecimento às urnas atingiu a marca de 83,7% do eleitorado, registrando uma taxa de abstenção de 17,3%, inferior ao número da abstenção registrado no país de 20,9%. A disputa para o Executivo estadual esteve marcada pela dispersão de votos, razão pela qual não possibilitou seu desfecho no primeiro turno. Além do incumbente que pleiteava reeleição, mais três candidatos desafiantes protagonizaram a disputa com claros e obscuros alinhamentos às candidaturas presidenciais.
No que tange à questão de gênero, a disputa ao cargo de governador da Paraíba deixa claro a predominância masculina na esfera política do estado. Apesar do eleitorado paraibano ter representação de 53% do sexo feminino, a participação das mulheres na competição pelos cargos eletivos é imensamente tímida. Das 8 candidaturas ao Executivo estadual, somente 1 mulher, candidata pelo PSOL, participou do processo eleitoral de 2022.
A disputa ao governo do estado da Paraíba no primeiro turno destacou-se por apresentar o governador João Azevedo (PSB) e Veneziano (MDB) alinhados à candidatura presidencial do ex-presidente Lula (PT), impossibilitando a composição Lula-Alckmin no mesmo palanque no estado. O candidato Pedro Cunha Lima (PSDB), embora contasse com o PDT na sua coligação do primeiro turno, não fez uma campanha que pudesse alinhar com clareza às candidaturas de Ciro Gomes e Simone Tebet (MDB), uma vez que o PSDB ao lado do Cidadania estava compondo a coligação de Tebet. Já o candidato Nilvan Ferreira (PL) apresentou sua plataforma eleitoral alinhada à candidatura de Jair Bolsonaro.
No desfecho do primeiro turno, a maior confluência de votos segue a direção do candidato do PSB, seguida pelos candidatos do PSDB, PL e MDB, conforme demonstra a tabela abaixo.
Tabela 1 – Votos válidos para governador na Paraíba em 2022 (1º turno)
Fonte: elaboração própria a partir dos dados do TSE (2022).
Os resultados do primeiro turno da disputa ao governo do estado da Paraíba, ao destacar a liderança do governador João Azevedo (PSB), manteve a lógica subnacional distanciada do cenário nacional. Partidos como PP e Republicanos que, nacionalmente, aparecem vinculados à candidatura de Jair Bolsonaro, na Paraíba estão na coligação que fortalece a candidatura à reeleição do governador.
Por outro lado, mesmo o partido de Veneziano (MDB) tendo apresentado a candidatura da senadora Simone Tebet à presidência, foi apoiado oficialmente por Lula. No primeiro turno, Veneziano chegou em quarto lugar na disputa para governador e anunciou seu apoio ao segundo colocado Pedro Cunha Lima (PSDB), candidato que até então representava o grupo do campo opositor na polarização histórica com o PT. Esse arranjo de composição de forças para disputa do segundo turno na Paraíba revela como os interesses na esfera subnacional podem contrariar as expectativas de candidaturas nacionais.
Ao término do primeiro turno, a aposta imediata era que o apoio de Lula pudesse levar Veneziano a declarar apoio à reeleição do governador João Azevedo. Assim, o palanque Lula-Alckmin estaria garantido para assegurar a vitória do candidato do PSB, bem como para ampliar a votação sobre Bolsonaro. Todavia, essas expectativas foram frustradas quando Veneziano (MDB) declarou apoio à candidatura de Pedro Cunha Lima (PSDB), contrariando as projeções do PSB de consolidar com folga a liderança do governador João Azevedo (PSB).
A candidata Adjany Simplicio (PSOL), única mulher a participar na competição para o cargo do poder executivo estadual, ofereceu apoio a João Azevedo, deixando claro, porém, que seria um apoio relativo e com críticas, no intuito de apenas reunir as forças políticas do estado para a concertação que ampliaria a diferença da votação de Lula sobre Bolsonaro, na disputa presidencial do segundo turno.
Nilvan Ferreira (PL), por sua vez, o terceiro candidato mais bem votado no primeiro turno, manteve-se neutro, não demonstrando apoio aos dois candidatos que concorrem no segundo turno ao governo paraibano. Não obstante, pesquisas do segundo turno têm apontado crescimento expressivo do candidato Pedro Cunha Lima (PSDB) que, certamente, poderá contar com a absorção dos votos do candidato do PL.
Ainda no primeiro turno, Pedro Cunha Lima esteve ao lado de Jair Bolsonaro (PL), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) quando das visitas desses candidatos à Paraíba, mas preferiu a estratégia de manter a neutralidade em relação à corrida presidencial nos dois turnos para governador do estado. Tal posição encontra-se justificada mediante o apoio que recebeu do candidato Veneziano (apoiado por Lula no primeiro turno), bem como, por reconhecer a ampla vantagem eleitoral do ex-presidente do PT no estado, que teve votação expressiva de 64% dos votos válidos no primeiro turno, enquanto Bolsonaro recebeu aproximadamente 30%, o que equivale a menos da metade daquela votação.
As eleições de 2022, encarnadas pela composição nacional PT-PSB com a chapa Lula-Alckmin, trouxeram algumas dificuldades de articulação desses dois partidos nas realidades subnacionais, principalmente nos estados do Nordeste. Na Paraíba, o rompimento do ex-governador Ricardo Coutinho com o governador João Azevedo dificultou a exposição e o alinhamento à aliança Lula-Alckmin no primeiro turno. O ex-governador, hoje filiado ao PT, exerceu função importante de costurar a aliança PT / PV / PC do B e MDB para firmar a candidatura de Veneziano com apoio de Lula.
Um caso semelhante ocorreu em Pernambuco, onde o PT dificultou a viabilidade da candidatura de Marília Arraes ao governo do estado em detrimento da aliança com o PSB do governador Paulo Câmara que apresentou a candidatura de Danilo Cabral como representante da aliança Lula-Alckmin.
A articulação de apoios aos candidatos para o Executivo estadual no cenário eleitoral paraibano deixam incerteza quanto ao resultado no segundo turno, embora as últimas pesquisas eleitorais tenham demonstrado a vitória de João Azevedo com pequena vantagem de 5% dos votos válidos. O apoio do candidato do MDB poderia vir a somar com os votos já recebidos por Pedro Cunha Lima (PSDB) no primeiro turno, no entanto, o candidato Veneziano (MDB) esteve em coligação com o PT no primeiro turno, abrindo-se precedente para o alinhamento Lula-Alckmin com a migração de seus votos para João Azevedo no segundo turno, o que beneficiaria sobremaneira o candidato do PSB.
Em relação aos resultados para ocupar cadeiras no poder legislativo, quanto à composição da Assembleia Legislativa e da Câmara dos Deputados, pode-se observar que é notória a força dos partidos à direita do espectro ideológico, observando a série histórica de 2010-2022 no gráfico a seguir, embora os resultados eleitorais para ocupação dos assentos da Assembleia Legislativa da Paraíba no pleito de 2018 demonstrem equilíbrio entre o campo do centro com 47% e da direita com 50%.
Gráfico 1 – Espectros ideológicos dos deputados eleitos na Paraíba (2010-2022)
Fonte: elaboração própria a partir dos dados do TSE (2022) e Bolognesi, Codato e Ribeiro (2021)
Os resultados eleitorais de 2022 da bancada da Paraíba tanto para Assembleia Legislativa quanto para a Câmara dos Deputados garantiram ampla base de direita: 64% dos deputados estaduais e 83% dos deputados federais eleitos estão classificados nesse espectro ideológico. Entende-se que a predominância de votos destinados aos candidatos de partidos da base do presidente Bolsonaro foi impulsionada pelo apoio dos chefes do poder executivo municipal, isto é, em muitos municípios paraibanos, prefeitos alinhados à candidatura do governador João Azevedo (PSB) e do ex-presidente Lula estiveram empenhados para garantir o sucesso eleitoral de candidatos a deputados de partidos como PL e PP da base do governo federal.
Nesse aspecto, as lideranças políticas dos municípios paraibanos tiveram diferentes incentivos para manter a distinção de apoios na esfera estadual e federal. Por um lado, fazer parte da base de apoio do governador garantiria recompensas como a alocação de recursos do orçamento estadual; por outro lado, a relação com parlamentares da base do governo federal geraria expectativa de alcançar os recursos das emendas parlamentares que no governo Bolsonaro vem sendo priorizados aos partidos governistas através das denominadas “emendas do relator”.
Além dos aspectos de alianças eleitorais e agrupamento ideológico, o debate sobre representação e gênero assume destaque na esfera política. Nas eleições para os cargos legislativos da Paraíba, o título da música “Paraíba masculina”, escrita por Luiz Gonzaga, ganha nova conotação, tendo em vista que durante a série temporal de 2010 a 2020, as mulheres não atingiram sequer 20% da representação nos cargos para deputado federal ou estadual, conforme demonstra o gráfico 2. Além do Legislativo estadual, destaca-se a presença de apenas 1 mulher como candidata ao governo da Paraíba em 2022, a qual não foi competitiva na disputa eleitoral que se manteve fragmentada entre quatro candidatos homens no primeiro turno.
Gráfico 2 – Gênero nas eleições estaduais
Fonte: elaboração própria a partir dos dados do TSE (2022)
A presença maciça do gênero masculino nos espaços institucionais de representação evidencia a sub-representação feminina e uma política pública de cotas eleitorais pouco eficiente. A série temporal analisada perpassa pelas quatro eleições após a obrigatoriedade da cota eleitoral de gênero no Brasil, que foi aprovada através da Lei nº 12.034/2009 e passou a valer a partir das eleições de 2010, obrigando os partidos a preencherem um percentual mínimo de 30% de um dos gêneros nas listas de candidatos.
Os dados do gráfico 2, no entanto, demonstram uma sub-representação acentuada na Paraíba, haja vista que o eleitorado não elegeu nenhuma mulher para a Câmara dos Deputados em 2014 e 2022. Nos demais anos, em 2010 e 2018, apenas uma mulher foi eleita para representar a Paraíba no âmbito do Legislativo federal, configurando apenas 8% das 12 cadeiras disponíveis para o cargo de deputado federal. O número ínfimo de mulheres eleitas para o cargo supracitado e a oscilação entre nenhuma e apenas 1 mulher eleita ao longo dos anos demonstra a inefetividade da cota eleitoral e a estruturação masculina da política paraibana.
No que tange às eleições para a Assembleia Legislativa da Paraíba, a representação feminina demonstrou-se mais expressiva, embora ainda haja um número ínfimo de mulheres. Nas eleições de 2010 e 2022, a Assembleia computou o maior número de deputadas mulheres, somando-se 6 das 36 cadeiras disponíveis no estado, o que configura um percentual de apenas 16,6%. Já em 2014 e 2018, o percentual de deputadas estaduais manteve-se em 8,3% e 13,8%, respectivamente, resultando em um número de mulheres eleitas menos expressivo quando comparado aos demais anos.
Em termos gerais, o ano de 2014 foi o mais crítico para a representação feminina nos cargos legislativos, tendo em vista que nenhuma mulher foi eleita para a Câmara dos Deputados e apenas 3 mulheres se elegeram para a Assembleia Legislativa. Já a eleição de 2010 foi a mais otimista para as candidatas ao Legislativo, tendo 7 mulheres eleitas, sendo 1 para o âmbito federal e 6 para o âmbito estadual.
Tanto a eleição de 2022 para o Executivo estadual como a série temporal concernente ao Legislativo demonstram a participação dominante dos homens na política paraibana e a expressiva representação de partidos do agrupamento ideológico da direita nas disputas eleitorais. Além dessas outras questões, a fragmentação na eleição partidária para governador bem como as alianças realizadas no 1º e 2º turno são indicadores de uma disputa estadual pouco alinhada com as eleições presidenciais, tornando a discussão sobre a política paraibana bastante relevante para o debate sobre subsistemas partidários.