Bruno de Castro Rubiatti
Introdução
O Brasil adota um sistema bicameral na organização de seu Congresso Nacional, isto é, divide o Legislativo em duas câmaras: Câmara dos Deputados e Senado. Nesse arranjo, a Câmara dos Deputados seria o espaço da representação populacional, enquanto o Senado seria o espaço da representação igualitária dos entes subnacionais (estados). Na formulação desse desenho institucional, o bicameralismo tem traços que o caracteriza como forte: por um lado, os poderes legislativos e de controle da câmara alta são semelhantes ao da primeira câmara e, por outro, a forma de seleção dos membros de cada uma delas é distinta. Assim, o bicameralismo brasileiro é considerado forte pois conjuga simetria com incongruência.
No que tange à simetria, tanto a Câmara dos Deputados quanto o Senado possuem ampla capacidade de iniciativa, de revisar o que foi aprovado na outra casa e poder de veto sobre as matérias analisadas no Legislativo. Já à incongruência se nota na forma de eleição dos seus membros: mesmo que os distritos eleitorais para ambas as casas sejam os estados, a forma de eleição para o Senado é majoritária, enquanto para a Câmara dos Deputados é proporcional. Além disso, o mandato de um senador é de oito anos, enquanto o de um deputado é de quatro. Por fim, outra característica que impacta a incongruência desse sistema é a renovação parcial do corpo legislativo do Senado: enquanto a Câmara dos Deputados é renovada totalmente a cada quatro anos, o Senado é renovado em um terço e dois terços. Assim, não há coincidência temporal no que tange a formação dos corpos legislativos de cada câmara: mesmo que as eleições ocorram concomitantemente, sempre uma parcela do Senado foi formada em momento distinto. Por exemplo, enquanto a Câmara dos Deputados atual foi eleita totalmente em 2018 e encerra seu mandato no início do ano que vem, no Senado, um terço (27 Senadores) foi eleita em 2014, também encerrando seus mandatos no início do ano, e dois terços (54 Senadores) foram eleitos em 2018 e encerram seus mandatos apenas em 2027.
Essas características permitem que os grupos representados em cada casa não sejam coincidentes, uma vez que a forma de eleição e o momento de formação de cada corpo Legislativo não são os mesmos. Isso permitiria que o Legislativo brasileiro tivesse uma maior potencialidade de discussão sobre os projetos e dificultaria que maiorias circunstanciais dominassem ambas as câmaras ao mesmo tempo, fortalecendo o papel do bicameralismo no sistema de checks and balances do arranjo institucional brasileiro.
Apesar desse arranjo bicameral forte ser adotado em todo o período da Nova República, nos últimos anos tem se notado um aumento da atenção dada à Segunda Câmara, seja pela própria Ciência Política nacional, seja pelos meios de comunicação. A atuação do Senado na atividade legislativa tem ganhado destaque, mas muito dessa nova atenção dada ao Senado se deve a suas atividades de fiscalização e controle. Por exemplo, no governo Bolsonaro (PL), a CPI da pandemia e a atuação do presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado na questão da indicação do nome de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal (STF) foram duas das atividades de fiscalização e controle do Senado Federal que tiveram grande atenção da cobertura midiática nacional.
Dessa forma, devido a importância dessa casa no arranjo institucional brasileiro e a crescente visibilidade de suas ações, cabe aqui analisar os resultados das eleições de 2022 para essa casa legislativa. Para a realização dessa análise, esse texto se divide em outras duas seções. Na primeira, estabelecemos uma comparação dos resultados de 2014 com os atuais, afinal, os Senadores eleitos em 2022 substituirão os que conseguiram seus mandatos em 2014. Na sequência serão tratadas as transformações esperadas na composição do Senado após as eleições. Com isso, será possível ter uma noção do impacto que essa renovação de um terço dos membros teve na composição total do Senado.
2014 e 2022: alterações na distribuição partidária das vagas em disputa
Como dito anteriormente, nas eleições deste ano foi renovado um terço do Senado, isto é, um senador por estado e pelo Distrito Federal. Pelo mandato do senador ser de oito anos, as cadeiras em disputa para essa casa são as dos parlamentares eleitos em 2014. A tabela 1 mostra a distribuição partidária nessas duas eleições e nela já é possível notar uma diferença considerável no peso dos diferentes partidos em ambas as disputas.
Tabela 1 – Distribuição partidária dos 27 Senadores Eleitos: 2014 e 2022
Começando pelo PMDB/MDB, partido que desde a redemocratização forma a maior bancada no Senado, nota-se uma forte queda no seu número de Senadores eleitos: se em 2014 o partido elegeu cinco senadores, na atual eleição ele conseguiu apenas um. Complementarmente, não houve reeleição ou vitória do PMDB/MDB em nenhum estado onde ele tinha conquistado senador em 2014: na Paraíba e Tocantins as vagas que o PMDB venceu foram para o União Brasil, em Santa Catarina e Espírito Santo foram para o PL e no Mato Grosso do Sul foi para o PP.
O PSDB que em 2014 elegeu quatro senadores não conseguiu nenhuma cadeira nessas eleições. A mesma situação ocorre com o PDT. O PTB também perdeu suas duas cadeiras, sendo que uma delas foi a de Alagoas, que foi ocupada pelo ex-presidente Fernando Collor em 2014, mas que teve Renan Filho (MDB) como o vencedor nessas eleições.
Dentre os partidos que ganharam cadeiras comparado com a eleição de 2014 estão o União Brasil[1], PP, PT, que conseguiram duas vagas a mais, e o PSC que conseguiu uma cadeira em 2022, mas não conseguiu nenhuma em 2014.
Todavia, o grande vencedor foi o PL: se em 2014, ainda como PR, elegeu apenas um dos 27 senadores, em 2022 oito dos senadores eleitos são desse partido: Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Rio de janeiro, Rio Grande do Norte, Rondônia, Santa Catarina e São Paulo elegeram senadores do partido do atual presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro.
É importante destacar também que 12 dos 27 senadores eleitos em 2014 buscaram a reeleição em 2022 (44,4%) e desses, cinco obtiveram sucesso (41,7%). Cabe aqui destacar que esses números se referem apenas aos candidatos eleitos como titulares no senado em 2014, não sendo aqui computados os suplentes que ocupam cadeiras no Senado e buscaram reeleição.
Assim, observar essa variação de uma eleição para outra nos dá uma imagem de como as preferências partidárias mudaram nesse espaço de tempo entre as eleições, mas não nos permite analisar o impacto das eleições de 2022 na composição do Senado. Isso porque o Senado brasileiro possui uma característica marcante: a ocupação de cadeiras por suplentes. Ao se candidatarem, os Senadores se apresentam em chapas compostas pelo titular e dois suplentes e, no decorrer do mandato, muitos suplentes acabam por ocupar as vagas, seja por afastamento temporário do titular, seja pelo titular ter ocupado outro cargo nos Executivos Nacional ou Subnacional. Dessa forma, a composição do Senado pode acabar se afastando do resultado das urnas. Por exemplo, atualmente, das 27 vagas que terminam seus mandatos no início de 2023, sete estão ocupadas por suplentes.
Somado a isso, há também a questão das trocas partidárias, onde senadores eleitos mudam de partido no decorrer do seu mandato, o que também afasta a distribuição partidária real dos resultados das urnas. Um exemplo dessa situação é o do senador pelo Rio de Janeiro Romário, que foi eleito em 2014 pelo PSB e agora foi reeleito, mas pelo PL.
Sendo assim, os dados da tabela 1 nos permitem ver as diferenças existentes nos dois momentos eleitorais, mas não significam automaticamente que os ganhos ali apresentados se expressarão na composição do Senado, já que parte das cadeiras conquistadas em 2014 estão efetivamente ocupadas por outros parlamentares. Como exemplo dessa situação, podemos citar o caso do Senador Alexandre Silveira (PSD) de Minas Gerais que foi eleito em 2014 como suplente na chapa de Antonio Anastasia (eleito pelo PSDB, mas entrou no PSD em 2020) e que passou a ocupar a cadeira no Senado após a indicação do titular para o Tribunal de Contas da União. Alexandre Silveira, inclusive, foi candidato ao Senado nessas eleições, mas não chegou a ser eleito.
Uma nova composição do Senado após 2022
Devido a ocupação de vagas por suplentes e as trocas de partidos feitas pelos Senadores, optou-se por estabelecer uma comparação da composição total do Senado em três momentos. Primeiro, optou-se por ver a composição do Senado no início da atual legislatura, em 2019, nesse caso, os dados são do Relatório Anual da Presidência do Senado daquele ano. O segundo momento é o atual. Com ele busca-se observar a composição do Senado considerando já a ocupação de cadeiras por suplentes e as trocas partidárias ocorridas no decorrer da Legislatura. Esses dados foram coletados no próprio site do Senado a partir da seção de composição da casa. Por fim, para tratar do cenário após as eleições de 2022, substituímos os parlamentares que terão os mandatos finalizados agora no início de 2023 pelos atuais eleitos. Assim, será possível observar o impacto que o atual resultado eleitoral pode ter na composição do Senado.
Tabela 2 – Variações na composição do Senado: 2019, atual e após as eleições
*Para “Atual” foram considerados os Senadores em Exercício em 3/10/2022
**Para “Após-eleições 2022” foram considerados os atuais, retirados os que finalizam
o mandato em 2023, e acrescentados os eleitos em 2022
Fonte: Elaboração própria a partir de RAP 2019, TSE e site do Senado
Ao se observar as variações ocorridas durante a última Legislatura é possível ver que a entrada de suplentes e as trocas de partidos no decorrer da legislatura alteram a composição do Senado, mesmo que de forma não tão drástica quanto uma eleição. Partidos como PSDB, PDT, Cidadania, PSB e Rede já apresentavam uma queda em sua representação no decorrer da legislatura. Por outro lado, PL, Podemos e PT apresentam crescimento em sua representação, sendo que ela é significativa para o primeiro, que sai de 2,5% no início da Legislatura e salta para 8,6% no período atual.
Com as eleições essas mudanças são novamente reforçadas. Chama a atenção a queda na representação do PSDB, que após as eleições ficaria com uma participação ainda menor no Senado. Já o PT apresenta uma pequena melhora em sua representação. Mas o que mais chama a atenção na nova representação na câmara alta após a eleição é o fortalecimento de partidos de direita, acompanhado da queda de representação dos partidos de centro.
O MDB/PMDB que sempre possuiu a maior bancada no Senado perdeu esse posto para o PL, o grande vitorioso nestas eleições. Junto com o PL, o União Brasil também apresenta um crescimento considerável, tendo um aumento de bancada e revertendo a tendência de queda que o antigo DEM apresentava para o Senado. Dessa forma, o novo Senado que se forma tende a ter maior representação da direita e um centro mais enfraquecido, estando, então, mais propenso a aderir a pautas conservadoras vindas desse setor que se fortaleceu.
Cabe aqui uma advertência: o número de cadeiras aqui apontados para o pós-eleição se baseia nos atuais ocupantes e nos eleitos. Porém, não necessariamente esse quadro irá se firmar. Sempre há a possibilidade de alguns titulares retornarem aos seus postos no Senado, além de que cinco senadores em exercício estão disputando o segundo turno das eleições nos estados e, caso saiam vitoriosos, deixarão seus postos no Senado (todos eles têm mandato até 2027). Assim, o quadro aqui apresentado é uma aproximação do que pode ser o Senado a partir da posse dos novos eleitos, tendo em conta a atual composição da casa, mas ainda há certo grau de indefinição.
Todavia, após as eleições de 2022 fica claro que houve uma mudança na composição do plenário do Senado, onde os grandes vencedores foram os partidos de direita, sendo que parte desse crescimento se deu em cima dos partidos que compunham o centro. Assim, o Senado, que era caracterizado como uma casa legislativa com forte presença do centro, agora será uma casa onde há forte presença da direita, o que poderá impactar a relação com a outra Câmara e trazer novas questões para a relação com o governo que será eleito nesse Segundo Turno.
[1] Para 2014, estamos considerando os senadores eleitos pelo DEM, uma vez que o União Brasil foi formado a partir da fusão do DEM com o PSL