Daniel Estevão Ramos de Miranda
Mato Grosso do Sul se destacou nacionalmente nas eleições de 2022 pela quantidade de candidatos nacionalmente conhecidos: duas candidaturas presidenciais (Simone Tebet pelo MDB e Soraya Thronicke pelo União Brasil) e duas candidaturas ao Senado de ex-ministros do governo Bolsonaro (Tereza Cristina, do Progressistas e Luiz H. Mandetta, pelo União). Essa projeção nacional de nomes do estado no cenário nacional é excepcional, sendo explicada mais pela avalanche eleitoral do bolsonarismo em 2018 do que por fatores estritamente internos ao quadro político sul-mato-grossense.
Embora tal quadro seja excepcional, ele não parece impactar diretamente sobre as estratégias dos candidatos ou nas preferências dos eleitores, dado que aquelas duas candidatas à Presidência não aparecem bem colocadas nas pesquisas de intenção de voto. Sendo assim, trata-se de eventos simbólicos, sintomas de um movimento mais amplo, mas não o movimento em si. Tal movimento, que define as eleições sul-mato-grossenses de 2022 é o retorno dos profissionais ao protagonismo político. A consequência principal disso é um apelo e mobilização mais fracos de discursos anti-sistemas, tão fortes em 2018.
Isso aparece mais nitidamente nas eleições para o governo estadual, as quais apresentam pelo menos três características marcantes: 1) a quantidade de candidatos competitivos; 2) uso estratégico da imagem de candidatos presidenciais fortes; 3) quadro político-ideológico mais nuançado do que se poderia esperar em uma análise mais apressada.
Com relação à competitividade, das 10 eleições realizadas entre 1982 e 2018, 6 delas foram resolvidas em 1° turno ou com 50% + 1 dos votos válidos, quando ainda não havia 2° turno. Além disso, a soma da votação dos dois candidatos mais bem colocados nas disputas sempre esteve acima de 75%, exceto em 1998, mostrando não haver, historicamente, espaço para terceiras vias nas disputas para a governadoria.
Mencionar as eleições de 1998 é interessante por motivos de comparação. Tratava-se da eleição mais competitiva da história do estado, até a atual. Nela, a candidatura de Zeca do PT descreveu uma trajetória ascendente ao longo do primeiro turno, ajudando a tirar do páreo o ex-governador Pedro Pedrossian, inicialmente apontado como um dos favoritos. Mesmo tendo ficado em segundo lugar no 1° turno, aquela trajetória de ascensão se completou no 2° turno, levando o PT ao governo do estado pela primeira vez.
Tabela 1- % de votos do primeiro colocado no 1° turno ou turno único, Eleições para Governador (1982-2018)
Fonte: Justiça Eleitoral (tabela elaborada pelo próprio autor)
*Candidato não eleito no 2° turno.
Uma trajetória de ascensão e virada em 2° turno ocorreria novamente, agora contra o PT: em 2014, Delcício do Amaral liderou toda a corrida eleitoral até o 2° turno, quando foi desbancado por Reinaldo Azambuja (PSDB), atual governador do estado.
As eleições de 2022, com quatro candidatos competitivos e um quinto cuja transferência de votos pode ser decisiva, já apresentam grau de competitividade maior que o de 1998, quando havia três candidatos competitivos. Dado que o líder das pesquisas, o ex-governador André Puccinelli lidera também as taxas de rejeição, não é impossível que haja, na história das eleições sul-mato-grossenses, um terceiro caso de virada de primeiro para segundo turno, repetindo 1998 e 2014.
Esse engarrafamento de candidaturas tem relação direta com a ascensão do PSDB e de R. Azambuja ao governo: os outros três candidatos competitivos ao governo têm ou tiveram relação direta com ele. Rose Modesto (União Brasil) foi vice-governadora durante seu primeiro mandato (2014-2018) e secretária de Estado de Direitos Humanos, Assistência Social e Trabalho no mesmo período. Quando disputou a reeleição, em 2018, foi apoiado pelo então prefeito de Campo Grande, Marquinhos Trad (PSD). Em 2020, Azambuja retribuiu o apoio ao prefeito da capital, surgindo rumores de que tais trocas de apoio poderiam virar uma aliança formal para 2022, algo que não ocorreu. Por fim, Azambuja, mesmo contando em sua zona de influência dois candidatos fortes e já testados eleitoralmente, decidiu lançar e apoiar, para sua sucessão, um de seus principais auxiliares no governo: Eduardo Riedel (PSDB), cuja primeira disputa eleitoral é a atual.
Completa o quadro o deputado estadual Capitão Contar, o único representante do bolsonarismo “puro”, por assim dizer. As esquerdas, representadas por Giselle do PT, Adonis do PSOL e Magno do PCO não pontuam 5% das intenções de voto, se somadas.
Dessa forma, o 2° turno das eleições em MS formarão um xadrez em cujo tabuleiro ainda restará muitas peças, cujas movimentações serão ainda mais decisivas que em outros pleitos.
Com relação aos alinhamentos nacionais e ideológicos, é digno de nota que, fora Capitão Contar, bolsonarista raiz, Eduardo Riedel declarou apoio ao candidato Jair Bolsonaro (PL) desde o início da campanha, ao selar uma aliança com Tereza Cristina (PP), cujo primeiro suplente é o Tenente Portella, amigo de longa data do atual Presidente da República. Com relação à Lula (PT), embora tenha havido manifestações favoráveis do candidato do PSOL (Adonis Marcos) e do PCO (Magno de Souza), quem emprega sistematicamente sua imagem é apenas a candidata Giselle (PT).
Com relação aos três outros candidatos, Puccinelli, Marquinhos Trad e Rose Modesto evitam declarar apoio ou se alinhar mais claramente a Lula ou Bolsonaro, provavelmente tentando evitar desgastes desnecessários e limitar o debate eleitoral a pautas regionais. O pragmatismo e neutralidade desses três candidatos visa também ocupar o espaço que tradicionalmente seria da esquerda, incapaz de apresentar uma candidatura forte no estado.
Nas eleições para o Senado, a ex-ministra da Agricultura Tereza Cristina lidera as pesquisas e, embora pesquisas para o legislativo não tenham a mesma precisão que aquelas para o executivo e, em 2018, tenha havido a eleição inesperada de Soraya Thronicke para o Senado, as eleições de 2022 não parecem reservar muitas surpresas. Se houver alguma surpresa, é provável que ela venha da candidatura do ex-juiz Odilon de Oliveira (PSD), que disputou o 2° turno contra Reinaldo Azambuja em 2018, quando obteve mais de 400 mil votos.
Com relação à Câmara Federal, dos 8 deputados eleitos em 2018, 6 estão disputando a reeleição. As outras duas deputadas eleitos naquele ano foram Rose Modesto e Tereza Cristina, que estão disputando outros cargos, conforme já mencionado acima.
Para a Câmara Federal, o PSDB tenta consolidar sua posição aproveitando a janela histórica aberta pela eleição de Azambuja com a perspectiva de eleição de três candidatos, pelo menos: dois a reeleição – Beto Pereira e Dagoberto (eleito em 2018 pelo PDT, mas que emigrou em busca de um partido com previsão de maior quociente eleitoral em 2022) e o ex-secretário estadual de saúde Geraldo Resende, que foi deputado federal por quatro mandatos consecutivos, entre 2003 e 2018.
Por outro lado, o campo bolsonarista, que emplacou dois deputados federais que nunca haviam ocupado um cargo eletivo antes – Luiz Ovando (eleito pelo PSL em 2018 e disputando a reeleição pelo Progressistas em 2022) e o Tio Trutis (eleito pelo PSL, candidato à reeleição pelo PL) e, posteriormente, contou com o apoio de uma terceira deputada federal, Tereza Cristina (eleita pelo DEM em 2018), tenta sobreviver com a perspectiva de eleger pelo menos um deputado.
Dois outros partidos devem ser mencionados também: o MDB, desde as eleições de 1982, sempre elegeu pelo menos um deputado federal, exceto em 2018. Uma derrota histórica, portanto, que o partido tenta reverter lançando alguns nomes experientes para a disputa, como a do ex-senador Waldemir Moka, além da visibilidade dada pela candidatura ao governo estadual. O segundo é o PT: desde 1998, é o único partido que sempre conseguiu eleger pelo menos um deputado federal, destacando-se Vander Loubet, que se for reeleito em 2022 irá para o sexto mandato seguido na Câmara Federal, tornando-se o deputado federal mais longevo da história do estado.
Quanto às eleições para a Assembleia Legislativa, o PSDB fez a maior bancada em 2018: 5 deputados estaduais de um total de 24. Do ponto de vista legislativo e da governabilidade do governador Azambuja, tal bancada é pequena. Do ponto de vista da disputa eleitoral, foi um resultado muito positivo para aquele partido, dado o grau de competitividade dessas eleições. Em 2022, o partido pretende manter sua bancada.
Portanto, apesar de o estado ser a base de duas candidatas à Presidência da República, de abrigar lideranças bolsonaristas e de o próprio desempenho de Lula (PT) nas intenções de voto não ser ruim, os principais fatores determinantes das eleições de 2022 foram mais regionais do que nacionais. Entre tais fatores, destaque-se o projeto do PSDB de não apenas consolidar sua hegemonia eleitoral, fazendo a maior bancada federal e a maior estadual, além de ter eleito 46% dos prefeitos de MS em 2020, mas também consolidar a hegemonia do grupo liderado por Reinaldo Azambuja, dada a escolha que o partido fez para encabeçar a chapa para o governo do estado.