Arleth Santos Borges
As eleições de 2022 se revestem de um caráter particular pelo viés plebiscitário no que tange ao governo do atual presidente da república e por testar a robustez, ou não, das forças de direita que foram vitoriosas em 2018. No Maranhão, onde Lula é forte apesar do PT ser fraco, a perspectiva é de mais uma consagradora vitória do petista, que chega à reta final da campanha com 67% das intenções de voto contra 19% de Bolsonaro, o que confirma a tendência de vitórias da esquerda nesses pleitos, observada no estado desde 2002[1].
A competição é acirrada, com vários candidatos buscando dominar espaços e estruturas de poder que estão em disputa desde a saída de cena do grupo Sarney, que comandou a política local por quase meio século, mas, nessa última década, foi sendo derrotado pela exaustão do domínio oligárquico que exercia, pelos atritos internos e por longeva oposição externa, recentemente liderada por Flávio Dino (PCdoB) e favorecida pela ambiência mais receptiva a mudanças e à esquerda desencadeada pelas sucessivas vitórias do PT nas eleições presidenciais.
Nove candidatos disputam o governo estadual: Carlos Brandão (PSB), Edvaldo Holanda (PSD), Enilton Ribeiro (PSOL), Frankle Costa (PCB), Hertz Dias (PSTU), Joás Moraes (DC), Lahesio Bonfim (PSC), Simplício Araújo (SD) e Weverton Rocha (PDT). A poucos dias das eleições, pesquisas indicam que a decisão se encaminha para um segundo turno, com Brandão à frente, seguido de Weverton e Lahesio. Pelos números do IPEC e não havendo fatos excepcionais, Edvaldo, que foi prefeito da capital por dois mandatos, está fora da disputa.
IPEC – Intenções de Votos para Governador do Maranhão (%)*
*Pesquisas estimuladas registradas no TSE com os seguintes números: 1) MA04923/2002 e 2) MA04923/2022
Carlos Brandão é o atual governador; é médico veterinário e empresário ruralista. É do PSB, já foi deputado federal (2010) e vice governador de Flávio Dino (2014-2021); tem como vice o ex-secretário de educação, Felipe Camarão, do PT e sua coligação conta com 10 partidos: PSB, MDB, PP, PATRIOTA, PODEMOS, Federação PT/PCdoB/ PV e Federação PSDB/CIDADANIA, composição ampla e ideologicamente heterogênea, como a trajetória partidária do próprio candidato, que já foi do PSDB e Republicanos. Sua chapa PSB/PT representa o principal palanque de Lula no Maranhão e tem recebido explícito apoio do presidenciável. No estado, tem o apoio de Flávio Dino, ex-governador e favorito na disputa ao Senado, da senadora Elisiane Gama, do presidente da Assembleia Legislativa, entre outros.
Weverton Rocha é administrador, senador e empresário. É do PDT, já foi deputado federal (2014), tem como vice o deputado estadual Hélio Soares, do PL e sua coligação tem 06 partidos: PDT, PL, PTB, REPUBLICANOS, PROS e AGIR, num arco ideológico também amplo e heterogêneo. Sua chapa, em composição com o PL, que é o partido de Jair Bolsonaro, cria um dilema em relação ao palanque presidencial, pois o PDT, de Weverton, tem o candidato Ciro Gomes. No estado, seus principais aliados são Roberto Rocha, senador em disputa pela reeleição, e o deputado federal Josimar do Maranhãozinho que, junto com sua esposa, deputada estadual Detinha, saltaram de prefeituras de pequenas cidades para campeões estaduais de votos em 2018 e agora concorrem, ambos, para a Câmara federal.
Lahesio Bonfim é médico e fazendeiro, prefeito em segundo mandato do município São Pedro dos Crentes, tem como vice o médico e vereador de São Luís, Dr. Gutemberg, do PSC. Sua coligação inclui PSC e PMN e ele já passou pelo PTB, PSL, PDT e PT. Atualmente, se declara de direita, tendo inclusive, durante a pandemia, se alinhado ao negacionismo bolsonarista, posição que sustenta até hoje. Pretendia ser o candidato oficial do presidente no estado, porém, a opção de Bolsonaro foi pela candidatura de Weverton, que se mostrava mais competitiva à época das convenções. No âmbito local, seus principais apoiadores são o deputado federal Aloísio Mendes, o deputado estadual Wellington do Curso e as bases eleitorais do bolsonarismo.
Os programas dos três candidatos convergem em não apresentar um diagnóstico consistente sobre a realidade do estado e na proposição das mesmas “saídas” adotadas desde os anos 1960, centradas em modelos de “desenvolvimento” que produzem crescimento econômico concentrado ao lado de pobreza e degradação ambiental difusas. Na campanha, concentraram o debate na divulgação dos feitos de cada um, propostas de infraestrutura, cobrança mais autonomia para os municípios e, na reta final, denúncias recíprocas de ilícitos e improbidades administrativas lastreadas em processos judiciais. Para o segundo turno, a última pesquisa IPEC aponta vitória de Brandão, sendo que, contra Weverton, o placar seria de 51% a 33% e contra Lahesio, de 56% a 29%. Com PSB ou PDT, mantem-se a tendência de vitória da esquerda nas eleições para o Executivo.
Nacionalização franksteiniana
O histórico favoritismo de Lula no Maranhão, a polarização do pleito presidencial e a sistemática confrontação do ex-governador Flávio Dino com Bolsonaro torna a nacionalização da campanha local um fato inarredável, de modo que as tentativas de neutralidade em relação aos presidenciáveis e de enclausuramento da disputa no plano local, ensaiadas por Weverton, e às vezes por Laehesio, se revelaram improducentes, embora tenham ocasionado uma retração desse debate e do apelo aos presidenciáveis nas peças de propaganda eleitoral.
Mesmo na campanha de Brandão (PSB/PT) e de seus coligados que disputam vagas no Legislativo houve comedimento em relação à campanha do candidato presidencial em razão de que sua coligação abriga partidos que são da base de apoio do presidente Bolsonaro (MDB, Patriota, PP e PSDB) e apoiadores notoriamente antipetistas ou anti-Lula, como a senadora Eliziane Gama, que foi até cogitada para ser vice de Simone Tebet, presidenciável pelo MDB.
Na campanha de Weverton, a questão da nacionalização se colocou de modo mais dramático, pois o seu partido tem Ciro como candidato, o partido do seu vice tem Bolsonaro e o próprio Weverton tentou trazer o PT para a sua coligação e, sem êxito, se empenhou em publicizar a sua proximidade com o ex-presidente Lula, fazendo questão de afirmar ter sido ele, e não o Brandão, “que visitou Lula na prisão, quando ele mais precisava”. O desfecho para o imbróglio foi, antes mesmo da aliança com o PL, a “cristianização” de Ciro Gomes, a invisibilização de Bolsonaro e adoção de discurso do tipo “não vou me escorar em ninguém” e “minha campanha é ampla, tem gente que apoia vários presidentes”.
Lahesio, seguindo um rito comum à direita estabeleceu para si um perfil anti-sistema, anti-corrupção, anticomunista, religioso e anti-PT, aproximando-se da imagem de Bolsonaro. Pretendeu ser o palanque oficial do bolsonarismo, mas, sendo preterido e alijado em duas viagens do presidenciável ao Maranhão, manteve a retórica negacionista e anti-corrupção ao lado de um discurso que investe na separação entre eleição local e nacional: “realmente, sou eleitor do meu presidente, mas respeito você que vai votar em outro, não tem problema nenhum, eu quero discutir mesmo é o Maranhão (…) não queremos essa discussão ideológica”.
Assim, Bolsonaro que teria dois palanques (de Weverton e Lahesio), acabou ficando sem nenhum, tanto que nem fez comício no Maranhão e seus maiores eventos de campanha, motociatas, carreatas e o 7 de setembro, foram organizadas por políticos individuais, religiosos empresários, ruralistas e “manifestantes” seguidores do bolsonarismo. Lula teve o palanque de Brandão, líder nas pesquisas, e o do PSOL, pouco competitivo, mas de aguerrida militância; sua campanha é menor que o seu favoritismo no estado.
Candidaturas majoritárias e proporcionais: eleições casadas e resultados divorciados
Brandão tem uma coligação com 10 partidos, Weverton, com seis, Edvaldo, com três, Lahesio com dois e os demais candidatos não coligaram. Isto já sinaliza para o tamanho dos apoios e para a capilaridade das campanhas, levadas a cabo por candidatos ao legislativo, prefeitos e cabos eleitorais. Ademais, 32 dos 42 atuais deputados estaduais e todos os 18 deputados federais disputam a reeleição com grandes vantagens, inclusive de acessos a recursos do fundo partidário, doações privadas ou autofinanciamento. No conjunto, esses fatores configuram um cenário favorável à coligação de Brandão, mas, majoritariamente, no campo dos partidos de direita, há muito tempo dominantes no legislativo estadual e bancada federal[2].
Para o Senado, cinco candidatos estão na disputa: Antônia Cariongo (PSOL), Flávio Dino (PSB), Pastor Ivo Nogueira (DC), Roberto Rocha (PTB) e Saulo Arcângeli (PSTU), com favoritismo de Flávio Dino, ex-governador, apoiado por Brandão e Lula e com 51% das intenções de voto, e Roberto Rocha, senador eleito com apoio de Dino, mas que rompeu e se alinhou ao bolsonarismo e nestas eleições é apoiado por Weverton, Lahesio e Edvaldo, com 21% das intenções de voto. A perspectiva é de vitória de Dino e, consequentemente, seu deslocamento da ação direta no estado para uma intervenção em Brasília, o que no Maranhão, que já teve os senadores Vitorino Freire e José Sarney, bem se sabe que, para o bem ou para o mal, não são poderes excludentes, ao contrário. As eleições de 2022 colocam novos personagens em cena, mas Flávio Dino sai desse processo fortalecido como principal liderança política do estado.
Continuidade em movimento
O Maranhão apresenta baixos indicadores sociais, fator recorrentemente associado ao domínio de partidos de direita. Com efeito, esse estado tem um longo histórico de domínio por forças de direita e oligárquicas, na fase mais recente associada ao grupo Sarney que, desde a segunda metade da década de 2000 foi perdendo forças e sendo derrotado. O começo desse declínio remete à ruptura do governador José Reinaldo Tavares com a família Sarney em 2004, continuou com a migração eleitoral de José Sarney para o Amapá para candidatar-se ao senado, seguiu com a derrota na eleição para o governo do estado em 2006, derrota dos ex-ministros Sarney Filho e Edson Lobão na disputa senatorial de 2014, perda de espaços de poder no âmbito nacional e nas consecutivas derrotas em disputa para o governo em 2014 e 2018.
A contraface desse processo tem sido o fortalecimento da esquerda, expresso na vitória de Jackson Lago (PDT) para o governo em 2006; eleição de senadores por partidos de esquerda em 2014 (Weverton Rocha, do PDT e Eliziane Gama, PPS); vitória de Flávio Dino (PCdoB) em 2014, quando Roseana Sarney almejava um quinto mandato de governadora, e reeleição em 2018. Impõe-se, entretanto, matizar esse domínio da esquerda, vez que frequentemente, o seu crescimento tem se dado por ciclos migratórios de agentes que trocam partidos de direita por partidos de esquerda, como aconteceu com o PCdoB quando da filiação de Flávio Dino e agora com o PSB e PT.
O cenário que se desenha em 2022 para o Executivo e Senado é de vitória da esquerda, mas em composições com a direita. O grande condomínio que deu vitória e sustentação aos governos de Flávio Dino e que jamais fora ideologicamente coerente e sempre teve coesão precária e sustentada em permanentes negociações, foi estilhaçado neste pleito por tensões internas e pela concorrência dos projetos individuais, cena, aliás, já vista em 2020, quando esse condomínio, já vislumbrando 2022, se dividiu em quatro candidaturas e foi derrotado. Refazer as bases de sustentação para o governo e para um efetivo enfrentamento aos problemas estruturais do estado é o primeiro desafio posto a quem for eleito.
Finalmente, cumpre registrar que essa é a primeira eleição após a pandemia, momento de tensionamento ao arranjo federativo em face da inação e ameaças por parte do Executivo federal a governadores, que levou muitas divergências à judicialização; recentemente, decisões unilaterais do Executivo relativas a cortes no principal imposto que financia os estados (ICMS) reacendeu o alerta de que há muito o que recompor nesta seara, um desafio para senadores e deputados federais (re)eleitos em 2022.
[1]Os dados citados neste texto, excetuando os de pesquisas IPEC, foram extraídos de Boletins do LEGAL/Maranhão, disponíveis em https://legal-amazonia.org/estado/maranhao/
[2]As frases foram extraídas dos debates entre candidatos realizados pela TV Difusora em 18/08 e TV Mirante em 27/09.