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O Paraná nas Eleições de 2022: sem grandes surpresas (?)

Rodrigo Horochovski

 

No modelo de eleições que temos no Brasil, as disputas estaduais são cruciais. As unidades federativas (UFs), ou seja, estados e Distrito Federal, compõem os distritos eleitorais que circunscrevem as disputas para todos os cargos em eleições gerais[1], à exceção do presidente.

 

De um lado, os principais candidatos à presidência precisam de palanques robustos em diferentes UFs para fortalecer suas redes de apoio, capilarizar as campanhas e potencializar recursos, inclusive financeiros, sem os quais uma participação competitiva no pleito é inviabilizada. Assim é desde pelo menos 1994, quando as eleições para presidente passaram a coincidir com as eleições nas unidades federativas brasileiras.

 

Tal dinâmica esteve presente, inclusive, nas eleições de 2018, em que Jair Bolsonaro venceu aparentemente sem esses ingredientes, ao menos quando se olha exclusivamente pelo prisma das alianças formais. Na prática, porém, o então candidato e atual presidente contou com recursos e apoios de peso, em maior ou menor grau, em todos os cantos do país.

 

Por outro lado, a chamada polarização na disputa pelos executivos, principalmente o federal, é um efeito esperado do sistema de dois turnos para a eleição do presidente e dos governadores. A necessidade de o eleito ter a maioria dos votos válidos leva claramente a que duas candidaturas se destaquem ante as demais.

 

Ocorre que, além desse fator, as eleições de 2022 são marcadas pelo acirramento da rivalidade que se formou desde 1989, em nível nacional, entre um campo invariavelmente liderado pelo PT e as forças que se colocam num polo oposto, variando os nomes e as siglas que o compõem. Vale lembrar que, por algum tempo, acreditava-se que o PSDB ocuparia definitivamente o posto, pelo fato de ter chegado em primeiro ou segundo lugar em seis eleições entre 1994 e 2014. Aparentemente, no entanto, o fator mais determinante é o antipetismo como polo de disputa.

 

Tal contenda é cada vez mais mediada por disputas ideológicas. Pode-se somar a isso o fim das coligações para eleições proporcionais (deputados federais e estaduais) – que podiam variar de estado para estado até antes das eleições de 2018 –, que atua no sentido da verticalização da disputa a partir do que acontece no plano federal.

 

E o que o Paraná tem a ver com tudo isso? Tudo, na medida em que todos os elementos arrolados acima conduzem a formação dos palanques no estado. Esta se deu a partir de duas variáveis principais: a dinâmica estadual governo x oposição e a própria disputa nacional. Aqui é necessário abrir um parêntesis e contar um pouco de história.

 

No Paraná, as disputas estaduais se constituíram em torno de dois grandes grupos que se revezam no comando do executivo estadual. Esta disputa começou a ganhar os contornos atuais a partir da abertura política e do restabelecimento das eleições diretas para governador em 1982.

 

De um lado, encontravam-se as forças de oposição ao regime militar, lideradas à época pelo PMDB, que venceram aquele pleito, tendo à frente José Richa e Álvaro Dias, que se elegeriam governador e senador, respectivamente. De outro lado, o grupo formado pelo núcleo de apoio ao regime no estado, cujo líder histórico, Nei Braga, paulatinamente, é substituído pelo urbanista e ex-prefeito de Curitiba, Jaime Lerner, que seria eleito governador do Estado em 1994, obtendo a reeleição em 1998. Aqui, é preciso lembrar que Lerner, no início dos anos 1980, aproximou-se de Leonel Brizola, permanecendo no PDT até 1997, quando migrou para o antigo PFL.

 

Como ocorre em todo o país, não há fronteiras rígidas entre esses dois grupos, e atores de ambos os lados com muita frequência saem de seu grupo original, fortalecendo as fileiras adversárias. Entre os numerosos exemplos disso, cito o próprio filho de José Richa, Beto Richa, que também seria eleito e reeleito prefeito de Curitiba (2004 e 2008) e governador do Paraná (2010 e 2014), pelo PSDB, no entanto, com nítida proximidade com o chamado lernismo.

 

Outro exemplo notável é o do atual prefeito de Curitiba, Rafael Greca, já em seu terceiro mandato à frente da capital, que no fim da década de 2000 aninhou-se no grupo político do ex-governador Roberto Requião. Greca retornou ao seu grupo original para disputar e vencer a eleição de 2016, naquela ocasião pelo PMN, reelegendo-se em 2020 pelo DEM, estando atualmente no PSD, do governador Ratinho Júnior. O próprio Álvaro Dias, atualmente no Podemos, governador entre 1987 e 1990 e senador desde 1995, frequentemente oscilou entre os dois grupos.

 

Requião é o único político do Estado que ganhou três eleições diretas para governador (1990, 2002 e 2006). Com o tempo, tornou-se o líder maior daquele grupo que se constituíra na oposição ao regime militar e, mais do que isso, consolidou-se à frente do que se pode considerar a esquerda paranaense com maior viabilidade eleitoral, incluindo aí o próprio PT. Este partido não logrou consolidar-se como uma força própria no Paraná, embora se tenha fortalecido bastante no início dos anos 2000. Quadro histórico do MDB desde os anos 1970, Requião deixa o partido somente em 2021 para filiar-se ao PT e disputar, pela sexta vez, a chefia do executivo paranaense.

 

Esses movimentos têm a ver, por óbvio, com os arranjos e rearranjos da política local, instigados pelos cálculos dos atores em face das oportunidades e/ou da própria sobrevivência, mas também com os rebatimentos da política nacional no plano estadual. Quase todas as forças políticas mais à direita ou que sempre gravitam em torno do governismo, quando não do fisiologismo, se posicionaram ao lado do governador Ratinho Júnior, que disputa a reeleição. A esquerda mais viável do ponto de vista eleitoral enfileirou-se em torno de Roberto Requião.

 

Os dois grupos estão nitidamente alinhados às candidaturas presidenciais. O atual governador, Ratinho Júnior, apoia a reeleição de Jair Bolsonaro, que mantém expressivos índices de aprovação no estado. Embora pertença a um partido, o PSD, formalmente neutro na disputa presidencial, o governador lidera uma coalizão cuja esmagadora maioria dos partidos e candidatos (inclusive ele) apoia o atual presidente.

 

O principal opositor de Ratinho Júnior, o ex-governador Roberto Requião, não apenas apoia Lula, como sempre o fez, mas agora dentro do partido do ex-presidente, o PT. Tal como ocorreu na disputa nacional, o PDT, de Ciro Gomes, está isolado, tendo como candidato a governador o ex-deputado federal Ricardo Gomyde que, no início dos anos 1990, liderou a juventude do Estado nas manifestações pelo impeachment do ex-presidente Fernando Collor.

 

Os arranjos em torno das candidaturas majoritárias a governador têm implicações tanto na formação de chapas nas eleições proporcionais, quanto na composição do legislativo. Até 2015, quando as coligações às eleições proporcionais (deputados federais e estaduais) eram possíveis, as forças políticas se rearranjaram logo após os resultados das eleições, com o executivo estadual tendo grande poder de agenda sobre o processo, atraindo partidos que, no pleito, estavam no campo adversário.

 

No Paraná, uma tendência a ser verificada nos próximos anos é a de os referidos arranjos serem antecipados para antes das eleições, o que, na prática, parece ter fortalecido ainda mais o governador. Com Ratinho Júnior isso é bastante nítido e tonifica a tendência de apenas duas forças, talvez uma, ter efetividade na disputa, reduzindo as chances de um segundo turno, por exemplo.

 

Em suma, a política paranaense, especialmente no que se refere a eleições, caracteriza-se por tendências que não destoam do que acontece em quase todas as unidades federativas. Para finalizar esta reflexão, adiciono mais uma tendência, também presente na maioria das UFs e em quase todas as eleições gerais. Trata-se da quase ausência de grandes surpresas, podendo-se mesmo falar em estabilidade dos jogos, com os incumbentes (detentores de cargos) tendo sempre grande vantagem, especialmente em eleições majoritárias.

 

Com sói acontecer no federalismo brasileiro, há um amplo domínio do executivo estadual sobre a agenda política paranaense. A composição da Assembleia Legislativa é sempre amplamente favorável ao governador, independente de quem seja. Nesse sentido, independentemente dos resultados das eleições proporcionais, sempre há uma imediata rearticulação de forças no sentido de dar sustentação aos governos. Um exemplo recente que ilustra bem isso é o papel do MDB, cuja maior liderança por décadas foi Requião e que, desde o governo de Beto Richa, tornou-se tipicamente governista.

 

Os efeitos sobre o federalismo desse amplo domínio dos governadores sobre a política estadual são evidentes, destacando-se o poder desses atores como agentes de intermediação nas decisões sobre políticas públicas, inclusive em relação às bancadas dos estados no Congresso Nacional.

 

Outro fato a mencionar é o de que desde a introdução da reeleição para cargos do executivo, em 1998, governadores que a disputam vencem no Paraná, independentemente da posição em que ele ou seu partido se encontrava no espectro político-ideológico. São os casos de Jaime Lerner, Roberto Requião e Beto Richa. A única exceção é a ex-governadora Cida Borghetti (Progressistas), que, no entanto, herdará o cargo do titular Beto Richa, que renunciou para disputar uma mal sucedida eleição ao Senado em 2018. Reeleição é, portanto, a regra, assim como o fato de, num intrigante contraste, nenhum desses governadores reeleitos ter feito seu sucesso.

 

A se confirmarem as pesquisas, o atual governador, Ratinho Júnior (PSD) deverá eleger-se com ampla margem sobre seu principal oponente, Requião, hoje no PT, mantendo a tendência histórica no estado. Todavia, Requião provavelmente fará uma votação expressiva, impulsionando o desempenho das chapas proporcionais da federação partidária formada por PT, PV e PC do B.

 

Esta ausência de surpresas, assim como o alinhamento com os movimentos da política nacional, também se apresenta historicamente nas eleições para o Senado no Paraná. Por conta do referido alinhamento, por exemplo, PT paranaense elegeu dois senadores: Flávio Arns, em 2002, na esteira da primeira eleição de Lula, e Gleisi Hoffmann, até hoje uma das pessoas com maior votação na história do estado, no auge de aprovação de Lula e do PT, em 2010.

 

Em 2018 houve, contudo, uma importante inflexão. Os dois candidatos favoritos, os ex-governadores Roberto Requião e Beto Richa, muito à frente nas pesquisas até poucos dias da eleição, sofreram derrotas surpreendentes para Flávio Arns, que fora senador entre 2003 e 2010 e vice-governador de Beto Richa em seu primeiro mandato, e Oriovisto Guimarães, proprietário do Grupo Positivo das áreas de educação e informática, ambos do Podemos.

 

Finalizo esta breve análise pelo Senado justamente porque esta é a disputa mais renhida e, portanto, interessante no Paraná. Álvaro Dias tem, desde 1998, praticamente uma cadeira cativa na nossa Câmara Alta, na medida em que nas três eleições que disputou desde então nunca teve concorrentes de peso, que lhe ameaçassem o mandato. Neste ano, contudo, enfrenta cenário adverso, já que seu principal oponente é o ex-juiz e ex-ministro da Justiça do Governo Bolsonaro, Sérgio Moro (União Brasil).

 

Moro e Álvaro vêm disputando voto a voto a preferência dos paranaenses, não se podendo cravar quem vencerá a disputa. O dado pitoresco é que, pouco antes da inscrição das candidaturas, Moro estava filiado ao Podemos, levado ao partido justamente por Álvaro Dias, na expectativa de que o ex-juiz se lançasse como candidato a presidente. Esta tem sido a nota destoante, incomum e até mesmo surpreendente em um estado caracterizado por poucos solavancos em sua política.

 

[1] As eleições gerais acontecem a cada quatro anos e, nelas, são escolhidos o Presidente da República, governadores, senadores, deputados federais e estaduais/distritais. São intercaladas com eleições municipais, quando se elegem prefeitos e vereadores.

 

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Rodrigo Horochovski
É professor associado da Universidade Federal do Paraná (UFPR) nos programas de graduação em Administração Pública e pós-graduação em Ciência Política e em Desenvolvimento Territorial Sustentável. Atualmente desenvolve pesquisas sobre redes de financiamento político. <br />