André Luiz Coelho e Vitor Furtado de Melo
Introdução: breve e violento histórico
O conceito de violência política é definido pelo Grupo de Investigação Eleitoral (Giel\Unirio) como “qualquer tipo de agressão que tenha o objetivo de interferir na ação direta das lideranças políticas” e envolve, ainda de acordo com o Giel\Unirio, casos de agressão, ameaça, atentado, homicídio e sequestro.
Infelizmente, o estado do Rio de Janeiro é historicamente marcado por casos de violência política, cujo exemplo recente e mais simbólico, talvez, seja o assassinato da vereadora Marielle Franco em março de 2018. Naquele ano, o Brasil se preparava para a corrida presidencial que levou o atual presidente da república, Jair Bolsonaro, ao poder. Bolsonaro, que fez a sua carreira política no Rio, ganhou o pleito e obteve, segundo os dados do TSE, 67,95% dos votos fluminenses.
De maneira bastante trágica, o assassinato de Marielle antecipou o cenário violento dos meses seguintes. Conforme demonstrado por relatório da organização Terra de Direitos e Justiça Global, a partir de 2018, o Brasil foi palco de incremento dos casos de violência política, tendo o ano de 2019 registrado aumento de 196% em episódios dessa natureza em relação a 2018, e o ano de 2020, de 37%, igualmente em relação a 2018. O mesmo relatório mostra que o Rio foi o estado com mais registros de casos de assassinatos e atentados contra a vida de lideranças políticas entre 2016 e 2020, com um total de dezoito episódios.
Além do prenúncio do aumento da violência, o país, e, especificamente, o estado do Rio assistiram, às vésperas das eleições de 2018, o crescimento de um sentimento de aversão à política, alimentado tanto pela operação Lava-Jato como por sua cobertura midiática. A prisão e a condenação de ex-governadores e outras lideranças estaduais tradicionais fizeram com que o Rio fosse atingido com intensidade por essa sensação de descrença. Como resultado, Wilson Witzel, ex-magistrado, foi eleito governador, tendo construído para si, assim como Bolsonaro, uma imagem de outsider da política, defendendo como uma de suas principais plataformas o combate à corrupção.
As eleições de 2022 partem de tal cenário no estado, que, de lá para cá, passou ainda pelo impeachment de Witzel e por três das quatro operações policiais mais letais da história conduzidas pelo sucessor do cargo, o atual governador Claudio Castro.
Do histórico violento à formação das chapas de 2022
Embora o conceito de violência política, conforme definido pelo Giel\Unirio, abarque casos que atingem lideranças, a violência no estado não está restrita a esse grupo de pessoas. Como dito na seção anterior, o governo do atual mandatário estadual do Rio de Janeiro foi responsável por conduzir algumas das mais letais operações policiais da história do estado. Elas foram feitas em favelas da capital e, somadas, totalizaram setenta pessoas mortas. Castro assumiu definitivamente o governo fluminense em maio de 2021, após o impeachment de Witzel. Com discursos sobre segurança pública é pauta de costumes semelhantes aos do antecessor impedido e do presidente Bolsonaro, o atual governador não era, até chegar ao Palácio da Guanabara, figura conhecida da política, já que, antes de assumir o governo, tinha uma carreira cantor de músicas gospel e cumpria o seu primeiro mandato como vereador do Rio.
Castro concorre, em 2022, ao segundo mandato como governador; mas, apesar de pautas semelhantes às de Bolsonaro e de estar no mesmo Partido Liberal (PL) do presidente, apresenta uma retórica menos enérgica do que a deste e não aparece frequentemente em campanha ao seu lado. Em verdade, é possível verificar certo distanciamento de Bolsonaro nos discursos do atual governador a partir de 2021, com o claro posicionamento pró-vacinação adotado por Castro em meio à pandemia de COVID-19. Esse, que foi um afastamento comedido da figura presidencial, tem dado a tônica da campanha para o segundo mandato à frente do governo fluminense, por meio de uma postura que não nega a proximidade religiosa, ideológica e partidária com Bolsonaro, mas tampouco faz questão de ressaltar uma aliança com ele em todos os momentos. Para comprovar o fato, basta observar que, até o dia 28 de setembro, a última foto postada ao lado do presidente no perfil de Castro no Instagram data de 08 de junho. Por outro lado, como dito, trata-se de um afastamento comedido, cuja dubiedade pode ser observada na participação do governador ao lado do presidente na comemoração do bicentenário da independência do Brasil, no último dia 07 de setembro, na praia de Copacabana.
Se a campanha do atual governador escolhe momentos muito pontuais para mostrar a aliança de Bolsonaro à sua chapa, a articulação com o candidato aliado ao senado é mais clara. O ex-jogador Romário, candidato à sua primeira recondução ao Senado, é do mesmo partido de Bolsonaro e Castro e tem aparecido com frequência junto deste. No perfil do governador no Instagram, o último post ao lado do senador, até a data de 28 de setembro, é de 23 de setembro, quando a campanha eleitoral já havia iniciado oficialmente. Ademais, Castro e Romário apareceram em alguns eventos lado a lado, como em visita ao Complexo do Alemão em 22 de setembro.
Diferentemente da postura de Castro, a campanha do seu principal adversário, Marcelo Freixo, é bastante explícita em mostrá-lo ao lado do ex-presidente Lula, candidato ao Palácio do Planalto apoiador da sua chapa. Freixo, que migrou recentemente do Psol para o PSB, costurou diretamente com Lula o apoio à sua candidatura e enfrentou divergências dentro do PT para que o acordo fosse firmado. Assim como o ex-presidente, ele tem apostado em uma construção ampla de aliados para se eleger e por isso remodelou o seu discurso, buscando a aproximação com adversários históricos, como seu próprio candidato a vice-governador, o ex-prefeito do Rio de Janeiro, César Maia. As semelhanças entre as campanhas de Freixo para o Palácio da Guanabara e a de Lula para o Planalto passam também por discursos sobre o caráter extraordinário das eleições deste ano e sobre a necessidade de derrota dos atuais mandatários dos Executivos estadual e federal, espelhando localmente a disputa nacional. A aproximação entre os candidatos progressistas ao governo do Rio e à Presidência da República é sentida no perfil do Instagram do primeiro, em que o último post ao lado de Lula, até o dia da redação do presente artigo, foi feito em 26 de setembro. Freixo e Lula igualmente estiveram juntos em diversos eventos de campanha na cidade do Rio, como no encontro com artistas e influenciadores digitais na cidade no dia 26 de setembro.
Embora a aproximação entre Lula e Freixo tenha sido clara, a construção dessa aliança passou por problemas igualmente explícitos para a articulação de apoio à candidatura ao Senado Federal. Isso, porque o PSB, partido de Freixo, inicialmente teria como candidato a senador o atual deputado federal Alessandro Molon, e o PT, partido do ex-presidente Lula, o deputado estadual André Ceciliano. Muita dubiedade foi vista em eventos de pré-campanha e de campanha dos candidatos ao governo e à Presidência, ora com acenos a Molon, ora com acenos a Ceciliano. Tal contradição opõe-se à proximidade entre Romário e Castro e chegou mesmo a colocar em xeque o apoio à candidatura de Freixo pelo diretório fluminense do PT. Ao final, a campanha de Lula procurou deixar claro a escolha por Ceciliano como o único candidato oficialmente apoiado pelo ex-presidente ao senado.
As campanhas dos dois primeiros colocados nas pesquisas de intenção de voto para o governo do Rio têm importantes diferenças em termos de maior ou menor aparição do presidenciável integrante da chapa e em termos de articulação com candidatos ao Senado, bem como na dinâmica situação versus oposição ao incumbente. Enquanto Castro, com mais intenções de voto, se apresenta apenas pontualmente ao lado de Bolsonaro e demonstra articulação mais clara com Romário; Freixo, o segundo colocado nas pesquisas, aparece mais frequentemente ao lado de Lula, mas não possui clara articulação com postulantes à câmara alta. Essas diferenças, possivelmente, impactam as intenções de voto do eleitorado, como será demonstrado a seguir.
Como as últimas pesquisas espelham a formação das chapas
A pesquisa de intenção de votos do IPEC realizada entre 24 e 26 de setembro contou com 2000 entrevistas pessoais conduzidas em 45 municípios no estado do Rio e mostrou cenário mais favorável ao ex-presidente Lula. Diferentemente de coleta realizada entre 03 e 06 de setembro, quando Lula e Bolsonaro apareciam tecnicamente empatados respectivamente com 38% e 39% entre os eleitores fluminenses, a pesquisa atual mostrou vantagem para o ex-presidente, que atingiu 42% das intenções de voto, em oposição aos 36% pontuados por Bolsonaro.
O cenário favorável a Lula não se repete para Freixo, que contabilizou no último estudo 25% das intenções de voto. Apesar de esse resultado representar um tímido crescimento em relação à coleta do dia 03 ao dia 06 de setembro, quando o candidato pontuou 22%, não é suficiente para alcançar os atuais 38% atingidos por Castro, quem, desde 06 de setembro, apresentou crescimento de um 1%, dentro da margem de erro. Desse modo, podemos perceber que nem todos que escolhem votar em Lula necessariamente possuem Freixo como candidato favorito. Por outro lado, Castro, além de provavelmente contar com a adesão da maior parte dos eleitores de Bolsonaro, consegue furar a bolha do bolsonarismo e obter apoio até mesmo de eleitores de Lula. Ademais, a taxa de indecisos é bastante alta no estado, pois, na atual pesquisa, 11% das pessoas entrevistadas declararam voto branco ou nulo para o governo, e 9% não souberam responder ou não responderam.
Gráfico 1: Intenções de voto para o governo
Fonte: G1
A corrida para o Senado, por sua vez, é liderada por Romário, que contabilizou 33% das intenções de voto, enquanto Molon e Ceciliano tiveram respectivamente 11% e 7%. Aqui, também, existe um relevante contingente de pessoas que não sabem ou não responderam, contabilizando 12%, número apenas menor do que as intenções de voto para Romário. É possível que o claro apoio de Castro ao seu candidato ao Senado, em oposição à dubiedade apresentada pela campanha de Freixo tenha influenciado em tal resultado.
Gráfico 2:Intenções de voto para o senado
Fonte: G1
Conclusões: uma disputa em aberto
As eleições de 2022, no Rio de Janeiro, partem de um histórico violento que, desde 2018, foi intensificado. Esse contexto é marcado não apenas por violência contra lideranças políticas, mas também contra a cidadania em geral, especialmente quando levamos em consideração a alta letalidade das operações policiais no estado e, principalmente, na cidade do Rio de Janeiro. O atual governador e postulante à recondução ao cargo, cuja gestão esteve à frente das citadas operações, é líder das pesquisas e defende a política de segurança pública praticada em seu mandato. Freixo, o principal adversário, apresenta dificuldades de crescer nas pesquisas de intenção de voto, mesmo com as tentativas de vinculação de sua imagem à do ex-presidente Lula e com a melhor pontuação do presidenciável no estado fluminense no último estudo do IPEC.
Freixo, ao longo do último ano, buscou se aproximar do centro político com o objetivo de ganhar mais votos, mudando inclusive algumas de suas posições históricas, passando, por exemplo, a ser contrário à legalização das drogas. No entanto, não conta com o poder da máquina do governo, que trabalha incessantemente para Claudio Castro. Ainda assim, vale notar que o número de pessoas que, quando perguntadas espontaneamente acerca do voto ao governo estadual, não souberam responder ou não responderam é muito alto, o que demonstra certo grau de incerteza na disputa pelo Executivo fluminense, apesar das tendências favoráveis a Castro.
A disputa para o Senado, por outro lado, parece estar mais consolidada, mesmo com o alto índice de eleitores indecisos na última pesquisa de intenção de votos. Os números também favorecem o candidato à reeleição e aliado de Castro, Romário. Neste caso, é possível que o claro apoio do atual governador, em contraste com a dubiedade adotada pela campanha de Freixo, possa ter influenciado a decisão de eleitores e eleitoras.
Ainda que exista maior consolidação no confronto para o Senado do que na disputa para o Executivo fluminense, o número de pessoas que não souberam responder sobre o seu voto no estado do Rio não é irrelevante, ainda mais se considerarmos que estamos às vésperas da eleição. A histórica violência contra lideranças e contra a cidadania, a maneira como a operação Lava-Jato impactou a política do estado, o fato de que vários ex-governadores do estado tenham sido presos por corrupção e mesmo o modo como as campanhas foram conduzidas são possíveis causas desse cenário, que podem ser testadas e comprovadas em estudos futuros.