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Eleições em Minas Gerais: dilemas de coordenação e divisão do voto

Leonardo da Silveira Ev

 

As eleições gerais brasileiras de 2022 ocorrem em um contexto político bastante distinto relativamente aos pleitos anteriores. No plano da disputa pelo executivo federal, o embate entre o atual ocupante da Presidência e um ex-presidente, inédito na história do país, polariza e domina o debate político com variados graus de impacto sobre a competição pelos demais cargos. Em alguns estados, como São Paulo e Rio de Janeiro, a polarização do embate nacional é reproduzida pelas principais candidaturas ao governo, com representantes apoiados por Jair Bolsonaro(PL) e por Lula(PT) dominando as intenções de voto. Já em outros estados, como Rio Grande do Sul e Santa Catarina, os alinhamentos são mais diversificados e outras forças políticas não vinculadas aos dois presidenciáveis conseguem ser competitivas.

 

O caso de Minas Gerais parece pertencer ao segundo tipo, mas se estrutura como o primeiro. A disputa pelo Palácio da Liberdade conta com 10 candidatos, número superior ao verificado nos 3 pleitos anteriores. O atual governador, Romeu Zema (NOVO), concorre à reeleição contra 9 candidatos que representam partidos e coligações de variados matizes. O principal oponente na disputa é o ex-prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), concorrendo ao governo do Estado após um mandato bem avaliado como prefeito da capital mineira. Zema e Kalil possuem as duas coligações mais amplas no estado com 10 e 5 partidos respectivamente, fato que ilustra o domínio que suas candidaturas têm na disputa. Os demais candidatos concorrem por partidos isolados ou por coligações menores, conforme é possível verificar no Quadro I.

 

 

As candidaturas que contam com apoio dos dois principais contendentes à Presidência são a do senador Carlos Viana pelo PL, mesmo partido de Jair Bolsonaro, e a de Kalil, que integra o PT em sua coligação, além de ter André Quintão, do mesmo partido, como vice. Assim, a candidatura de Zema representaria aparentemente uma iniciativa capaz de romper com a nacionalização da contenda por pertencer a um terceiro partido. Entretanto, a campanha do atual governador tem feito repetidas afirmações de que contaria com o apoio informal de Bolsonaro, particularmente no caso de um segundo turno no estado. Não se trata de algo inédito, haja vista que uma situação semelhante ocorreu nas eleições de 2018, na qual Zema também associou informalmente sua candidatura à de Bolsonaro. Assim, há no estado duas candidaturas que se vinculam de alguma forma àquela do presidente. Tal quadro sugere uma dinâmica de competição “nacionalizada”, ainda que com uma aparência distinta. Há uma candidatura oficialmente apoiada por Lula, outra por Bolsonaro e uma terceira que conta com a aprovação informal do atual presidente. É importante destacar que o governador Zema foi cortejado pelo presidente Bolsonaro para ser seu candidato durante muito tempo. A candidatura do senador Carlos Viana aparece como segunda opção do presidente só foi confirmada para que Bolsonaro tivesse um palanque eleitoral no segundo maior colégio eleitoral brasileiro.

 

O grau de nacionalização da disputa é um fator importante a ser observado nesse caso. A dinâmica das eleições gerais no Brasil se estrutura na forma de jogos aninhados (MELO, 2010) segundo a qual a simultaneidade das disputas nos níveis federal e estadual gera incentivos de coordenação para os partidos políticos entre as distintas arenas. Tipicamente, candidaturas para o executivo nacional costumam ter representantes (próprios ou em coligação) concorrendo aos governos dos estados. Do ponto de vista dos postulantes à presidência, a costura dos apoios estaduais é importante para garantir palanques regionais que possam dar ainda mais visibilidade às suas candidaturas, bem como se associarem a lideranças políticas que possuam capital eleitoral local. Do ponto de vista dos candidatos aos governos estaduais, a vinculação a uma candidatura para a presidência garante também um aporte de capital eleitoral, além de conferir uma “chancela presidencial” ao seu nome no estado. Trata-se de uma estratégia amplamente utilizada no Brasil, particularmente na costura de alianças nos estados mais populosos do país.

 

De acordo com as pesquisas de intenção de voto mais recentes do Instituto IPEC para o governo do Estado, exibidos na figura 1, a disputa se concentra entre o atual mandatário e o ex-prefeito da capital. Até o presente momento, Zema lidera a disputa com vantagem considerável em relação ao segundo colocado, que apresentou evolução positiva, mas ainda está distante. Os demais candidatos pontuam abaixo dos 5% de intenção de voto.

 

 

Desde o início das campanhas eleitorais, a candidatura de Zema consolidou um patamar de intenções de voto que lhe permite até mesmo almejar uma vitória, no primeiro turno do certame. A liderança do governador do Partido Novo nas pesquisas tem sido associada a alguns aspectos específicos de sua gestão. Durante seus quatro anos no governo, Zema conseguiu regularizar o pagamento do funcionalismo que tinha seu salário parcelado desde a gestão anterior, de Fernando Pimentel (PT). Ademais, ele se elegeu na esteira de um sentimento de rechaço a figuras políticas tradicionais que parece marcar o eleitorado mineiro nos últimos anos. Sintomático deste último dado é o fato de o principal adversário de Zema também ser uma figura que ganhou projeção na esteira do discurso antipolítico. Alexandre Kalil elegeu-se prefeito de Belo Horizonte adotando uma imagem de outsider e cacifou-se à disputa ao concluir um mandato bem avaliado, reelegendo-se para o cargo. Assim como Zema, Kalil é um empresário com projeção no estado em virtude de ter sido presidente do Clube Atlético Mineiro. Dentre os demais candidatos, a maioria dos nomes também é de estreantes ou de outsiders, exceção feita ao candidato Marcus Pestana (PSDB) que foi deputado estadual, secretário estadual de saúde e deputado federal.

 

O perfil de competição que se verifica no estado em 2022 resulta, em parte, do histórico dos últimos governantes que passaram pelo Palácio da Liberdade. A começar pela administração de Fernando Pimentel a qual foi marcada por diversas limitações orçamentárias, atraso e parcelamento do salário do funcionalismo público e por investigações sobre seu suposto envolvimento em desvio e lavagem de dinheiro em campanhas políticas[1].Somado a isto, o PSDB, que governou o estado por 12 anos, sofreu um fortíssimo desgaste político nos últimos anos. Em boa medida, tal desgaste se deu em virtude do envolvimento do ex-governador e então senador pelo estado, Aécio Neves (PSDB), no suposto esquema de propinas do empresário Joesley Batista, ligado ao ex-presidente Michel Temer (MDB), de cuja ascensão à presidência Aécio foi um forte articulador[2].

Tais acontecimentos, somados ao desgaste do MDB no país após a gestão Temer e à onda de descontentamento com a política decorrente da operação Lava-Jato tiveram um efeito desestruturador sobre a política mineira. As principais forças partidárias no estado foram duramente impactadas fazendo terra arrasada do cenário político no estado. Este é o contexto que possibilitou a ascensão de Zema e Kalil à condição de protagonistas em 2022.

 

Dados os alinhamentos políticos das candidaturas ao governo do estado, ocorre uma situação particular, ainda que não inusitada: a distinção entre as intenções de voto para governador e presidente. Enquanto Lula lidera as intenções de voto no estado por uma margem confortável frente a Bolsonaro, Kalil encontra-se muito atrás de Zema. Em que pese a evolução positiva de Kalil na última pesquisa Ipec, parece estar ocorrendo uma divisão de preferências por parte do eleitorado mineiro pela qual muitos eleitores votam em Lula para o executivo federal e em Zema para o executivo estadual. Não seria a primeira vez que isso ocorre. Nas eleições de 2010, o voto “Dilmasia” esteve associado às vitórias no estado de Dilma Rousseff (PT) na eleição para a Presidência e de Antônio Anastasia (PSDB) para o governo estadual. Nesse sentido, o voto de parte do eleitorado mineiro tem sido pautado por outros elementos que não a congruência partidária.

 

A atual situação na corrida eleitoral sugere certa dificuldade na vinculação da figura de Kalil com a do ex-presidente Lula, evidenciada por uma até agora baixa transferência de votos deste último para o ex-prefeito. Este fator aponta para os limites do nível de nacionalização da disputa no estado. Ademais, Kalil é um político muito conhecido na capital e região metropolitana, mas com pouca inserção no interior do estado, terreno no qual seu adversário tem vantagem em função de ser o atual mandatário. Como governador, Zema é bastante conhecido no interior, além de ter interlocução com muitos prefeitos, vereadores e lideranças políticas locais nos municípios mineiros, o que lhe garante muitos cabos eleitorais no estado.

 

O cenário que se conforma na disputa para o governo guarda importantes implicações para o pleito nacional. Historicamente o estado é visto como um preditor de vencedores da disputa pelo Executivo Federal uma vez que, desde a eleição de Juscelino Kubitschek em 1955, todo o candidato à Presidência que vence em Minas é também aquele que se elege presidente. Há alguns motivos para isto. Em primeiro lugar, sendo o segundo maior colégio eleitoral do país, com mais de 16 milhões de eleitores aptos a votar, Minas Gerais é tido como uma batalha estratégica para a chegada ao Palácio do Planalto. Em segundo lugar, do ponto de vista geográfico, a demografia de Minas é uma espécie de síntese do Brasil, pois o estado reúne em seu território uma diversidade populacional muito grande e representativa de várias regiões do país. Dessa forma, os mineiros seriam quase como uma média do eleitorado brasileiro.

 

Por estas razões, os candidatos que disputam a Presidência têm muitos incentivos para tentar melhorar seu desempenho no estado. Por enquanto, as pesquisas indicam que Lula tem sido mais eficiente em angariar apoio dos eleitores mineiros nesta empreitada. Bolsonaro, que venceu no estado em 2018, tem apresentado dificuldades para ampliar seu eleitorado. Em parte, isso se deve a ter seu palanque estadual “dividido” entre o candidato de seu partido, com menor apelo eleitoral, e o atual governador que lidera, mas que não consegue motivar seus eleitores a apoiarem o atual presidente. Lula, que não logrou transferir grande quantidade de votos para Kalil até o presente momento, corre o risco de não ter palanque no estado em um possível segundo turno presidencial, caso Zema vença o governo no primeiro turno.

 

Assim, as eleições em Minas mostram um quadro bastante complexo tanto em seus aspectos internos, quanto em sua interação com a eleição para o Executivo Nacional. O histórico recente de desestruturação das forças partidárias tradicionais no estado deixou aberto o campo eleitoral para políticos novatos e para outsiders, o que torna a costura de alianças algo ainda mais difícil e custoso para os partidos. Ademais, o eleitorado mineiro parece alternar entre uma lógica governista na sua opção estadual e uma oposicionista na escolha presidencial, podendo determinar que o Palácio da Liberdade e o Palácio do Planalto ocupem lados políticos opostos nos próximos 4 anos.

 

Referências:

MELO, Carlos Ranulfo Félix de. Eleições presidenciais, jogos aninhados e sistema partidário no Brasil Revista Brasileira de Ciência Política, nº 4. Brasília, julho-dezembro de 2010, pp. 13-41.

 

[1] Pimentel foi absolvido das acusações após o fim do seu mandato. Justiça Federal absolve Fernando Pimentel da acusação de corrupção passiva | Jornal Nacional | G1 (globo.com)

[2] Aécio também foi absolvido das acusações no início deste ano. Aécio Neves é absolvido da acusação de corrupção para favorecer a J&F, de Joesley Batista – Jornal O Globo

 

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Leonardo da Silveira Ev
É doutor em ciência política pela UFMG. Professor substituto na Universidade Federal do Pampa e pesquisador do Centro de Estudos Legislativos da UFMG.