Fernanda Rios Petrarca
Do ponto de vista nacional, o estado de Sergipe não compõe o quadro dos principais colégios eleitorais brasileiros, estando entre os estados com menor quantitativo de votos. No entanto, ele faz parte de uma região em que estão situados dois dos principais colégios eleitorais do país: Bahia (5ª. posição) e Pernambuco (7ª. posição). Além disso, o Nordeste tem uma importância no processo eleitoral tanto do ponto de vista quantitativo, uma vez que é a segunda maior região eleitoral, concentrando 27,11% dos votos, quanto qualitativo, tornando-se atrativa – devido a um conjunto de condições estruturais – para uma agenda preocupada com os grandes problemas nacionais. Depois de 2 anos de pandemia, a corrupção já não é o problema político mais importante, mas a fome, a miséria e o desemprego que se destacam nos planos de governo dos candidatos. Isso faz do Nordeste um polo importante de atração. Não podemos ignorar, ainda, que as políticas de transferência de renda, dentre outras implementadas pelos governos petistas, tiveram impacto na vantagem do partido na região. É, portanto, dentro dessas condições que mesmo os menores estados da região importam nas disputas nacionais, tornando-se relevantes aliados na competição eleitoral.
Se no plano nacional interessa ampliar alianças nos estados, no plano regional o cenário das disputas estaduais ainda é permeado por suas especificidades, composição dos grupos, organização das lideranças, dinâmica do jogo político e estrutura da competição política. Além disso, está em jogo para os candidatos a governadores o comando do estado para os próximos quatro anos, o que faz com que as alianças locais se tornem muito relevantes. Essas condições constituem desafios aos candidatos na tentativa de nacionalização das campanhas eleitorais, a partir da articulação dos dois níveis: nacional e estadual. Uma das principais constatações, diante disso, é que as alianças nacionais não se reproduzem regionalmente e envolvem um longo e difícil trabalho de articulação tendo em vista as especificidades locais.
No final das contas, é um jogo duplo. Por um lado, destacam-se, nesse processo de tentativa de nacionalização, o esforço dos candidatos à presidência em assegurar os palanques estaduais a partir da articulação com as lideranças estaduais. Palanques fortes em estados estratégicos tornam-se recursos fundamentais na disputa presidencial uma vez que asseguram condições de realização da campanha, como estrutura montada para comícios, estrutura para receber os presidenciáveis, além de maior visibilidade e capacidade de mobilizar eleitores.
Por outro lado, para as lideranças estaduais se associar a candidatos nacionais que experimentam índices altos de reprovação e baixos de aprovação pode se tornar um problema a ser administrado, uma vez que está em disputa o comando político dos estados, e suas consequências para os partidos e para os políticos que disputam o controle orçamentário e a indicação de aliados na administração pública. Nessas condições, as alianças locais para formação de candidaturas proporcionais para as assembleias estaduais têm muito peso, uma vez que interessa compor uma bancada majoritária para garantir as condições de governabilidade. Equilibrar, portanto, na balança a articulação nacional e o compromisso local constitui um desafio para coligações e, em sentido mais amplo, para o federalismo brasileiro.
Em Sergipe as eleições estaduais contam com nove candidatos que concorrem ao cargo de governador. São eles:
TABELA I: CANDIDATOS AO GOVERNO DO ESTADO DE SERGIPE
Dentro desse quadro, os quatro primeiros são os candidatos mais competitivos, com pontuação significativa nas pesquisas de intenção de votos. Os 2 primeiros, Rogério Carvalho e Fábio Mitidieri, lideram a corrida eleitoral em empate técnico. Vamos nos concentrar, portanto, na formação destas coligações competitivas considerando, para isso, as tentativas de equilíbrio entre os acordos locais e o alinhamento nacional.
No que diz respeito à formação dos palanques estaduais e suas composições nacionais, três destas coligações possuem acordos muito claros. Rogério Carvalho, do PT, é o palanque oficial de Lula na campanha. Atual senador pelo estado, ele representa a coligação da Federação partidária (composta pelo PV, PT e PCdoB) com o MDB e o PSB. A aliança com dois importantes agrupamentos políticos sergipanos é a marca a ser destacada nessa coligação que conta com o apoio do MDB, na figura de Jackson Barreto, e do PSB a partir da liderança de Valadares Filho. Enquanto no cenário nacional o MDB segue com candidatura própria, em Sergipe ele monta palanque com o PT. Isso se deve, em parte, à liderança de Jackson Barreto dentro do partido e sua aliança com o PT desde o governo de Marcelo Deda (PT).
Valmir de Francisquinho, do PL, é o palanque de Bolsonaro em Sergipe e o candidato da oposição no estado. Sua coligação traz o nome de Eduardo Amorim (PL) para o Senado e é apoiada, em grande medida, em Itabaiana, um dos maiores colégios eleitorais do estado e município em que foi prefeito, e nos municípios em que o grupo dos “Amorins” tem base eleitoral. Mas apesar de ter conseguido homologar a sua candidatura e ter apresentado desempenho nas pesquisas, ela está pendurada e sob julgamento correndo o risco de ser suspensa. O Tribunal Superior Eleitoral manteve a decisão do TRE de Sergipe de decretar inelegibilidade de Valmir e seu filho Talysson de Valmir (PL) por abuso de poder político e econômico pelo período de oito anos, a contar desde as eleições de 2018.
Já Alessandro Vieira busca apresentar sua coligação como de oposição. Como ex-delegado esteve à frente de diversas investigações de corrupção, lançando seu nome na esteira do lavajatismo e apresentando-se como uma rota alternativa a chamada “velha política” e a polarização encabeçada por Lula e Bolsonaro. Atualmente acena apoio a Simone Tebet, do MDB, apesar da diretoria do Partido em Sergipe ter declarado apoio a candidatura de Rogério Carvalho, do PT. Sua coligação tem como vice-governador o empresário Milton Andrade e a delegada Danielle Garcia, do Podemos, como senadora.
A coligação que mais representa as dificuldades de aliar compromissos locais com palanques nacionais é aquela liderada por Fábio Mitidieri, candidato a governador. Fábio Mitidieri é deputado federal e uma importante liderança local conhecido por conduzir não só o PSD no estado, mas também “os Mitidieri” como agrupamento político. Constitui sua base de apoio político a partir da aliança com pequenas prefeituras ramificando sua atuação em várias regiões do estado. A coligação que representa traz Zezinho Sobral, líder do governo na Assembleia Legislativa, como vice-governador e Laércio Oliveira, importante liderança local e representante do governo Bolsonaro em Sergipe, como senador. A coligação “Novo tempo para Sergipe” tem ainda o apoio do prefeito de Aracaju, do PDT, e do atual governador do estado, Belivaldo Chagas do PSD. Diferente de outras coligações, essa é a que mais expressa os desafios de equilibrar a dinâmica dos compromissos locais com as alianças nacionais. De início Fábio Mitidieri havia declarado ser eleitor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e com isso acenado com algum apoio. Esse aceno lhe permitiu em algum momento contar com o nome de Jackson Barreto, presidente do MDB e liderança de destaque no estado que buscava constituir apoio a Lula em nível estadual. Enquanto as negociações do PT com o Kassab, líder do PSD nacional, em torno de um palanque para Lula perduraram, havia um estímulo para composição de alianças locais. Contudo, o recuo dessas negociações em nível nacional, conduziu o PSD local a reorientar seus acordos e rever suas alianças tendo como base sua dinâmica regional.
Um dos principais pontos dessa reorientação foi a própria corrida para o governo do estado. A associação entre baixo desempenho nas pesquisas eleitorais e o crescimento da liderança de Valmir de Francisquinho, do PL, fez Mitidieri reorientar suas estratégias na disputa com o eleitorado mais conservador, declarando palanque neutro. Contudo, a escolha do nome de Laércio Oliveira, conhecido bolsonarista, como candidato à vaga no Senado provocou o racha fatal com Jackson e com o apoio a Lula e a dissidência interna no partido.
Para entender as alianças em torno dos palanques estaduais é preciso olhar com atenção para dois fenômenos. De um lado, a consolidação do federalismo como um dos traços fundamentais da vida política e suas consequências institucionais (ABRANCHES, 2018). No nível político, marcado por assimetrias e desigualdades socioeconômicas. No nível partidário, uma de suas características centrais é a diferenciação marcada por um sistema político regional que pode variar da forte concentração à intensa fragmentação interna. Como consequência, os partidos tendem a se apresentar como sede dos agrupamentos políticos regionais e locais que disputam o seu controle. Dadas essas condições, o que se observa é o fortalecimento dos agrupamentos políticos que visam, ao mesmo tempo, o controle da política estatal (partidos, eleições proporcionais) e o acesso aos cargos federais com vistas a ampliação das redes nacionais e consolidação do poder. A autonomia dos partidos nos estados em constituírem suas próprias alianças fortalece as cúpulas estaduais que lutam para preencher os cargos em todos os níveis. Nessa lógica, um cargo federal (deputado, senador) se torna um importante recurso na competição política regional, conferindo vantagem às lideranças na condução dos agrupamentos.
De outro lado, é preciso jogar luz para a dinâmica própria dos agrupamentos políticos em configurações específicas, levando em consideração para isso a sua composição e respectiva fragmentação ou concentração. No caso de Sergipe o que se observa é uma forte fragmentação, com partidos divididos internamente em múltiplos agrupamentos, resultado de um processo sócio-histórico de disputa e controle (PETRARCA & OLIVEIRA, 2017). No plano municipal, prevalecem os compromissos entre as lideranças regionais (dos respectivos agrupamentos) e os políticos locais (prefeituras). No plano estadual, os grupos políticos dominantes acomodam suas alianças com o intuito de manter e ampliar. É sempre um jogo arriscado porque apostar demais no plano regional pode comprometer alianças mais amplas no plano federal que, por sua vez, podem produzir um efeito bumerangue atingindo a liderança dentro dos agrupamentos e dissidências.
Uma das características centrais dos agrupamentos políticos de Sergipe é a composição centrada, de uma parte, em redes de base familiar[1] e, de outra, em redes pessoais formadas na política profissional. Nessa lógica, é comum os agrupamentos se definirem ou pelo nome da família, como “os Alves”, “os Mitidieri”, “os Amorim”, “os Valadares”, “os Reis”, ou pelo nome da liderança e sua base, como “o grupo de Jackson”, “o grupo de Belivaldo Chagas” e assim por diante. Esses grupos disputam o controle partidário e o acesso aos cargos.
O palanque é a representação da luta entre os agrupamentos políticos- que disputam não só o controle dos partidos, como também o controle do eleitorado- para demonstração de sua força. Nessas condições, ele simboliza as articulações, as alianças e expressa o poder político regional e suas disputas. Nessa direção, o caso de Sergipe fornece um quadro das lógicas que fundamentam a dinâmica política regional. Nessas condições, para a formação dos palanques estaduais prevalece mais a lógica dos agrupamentos partidários regionais do que a lógica das coalizões nacionais. Como vimos, muitos destes palanques não estão alinhados às candidaturas presidenciais.
Referências
ABRANCHES, S. Presidencialismo de Coalizão: raízes e evolução do modelo político brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
LEWIN, L. Política e parentela na Paraíba: um estudo de caso da oligarquia de base familiar. Rio de Janeiro: Record, 1993.
PETRARCA, F. R. & OLIVEIRA, W. J. F. Parentelas, grupos dirigentes e alianças políticas. Revista Política e Sociedade, v. 16, p. 191-224, 2017.
[1]O uso da expressão “de base familiar” segue os padrões estabelecidos por Lewin (1993) para evitar aproximações com a noção de “domínio familiar”, esta última caracterizada pelo recrutamento político via, exclusivamente, o parentesco. A rede “de base familiar”, portanto, é um misto de laços obtidos pelas conexões familiares (irmãos, primos, sobrinhos, tios, afilhados) e pela amizade política.