SPECIAL REPORTS

A tale of two elections: o desalinhamento dos palanques majoritários no Rio Grande do Norte

Alan Lacerda

 

A disputa de governador do Rio Grande do Norte neste ano exibe uma curiosa característica: as decisões tomadas na formação do palanque da campanha à reeleição de Fátima Bezerra (PT) afetaram os palanques senatoriais. Daí o título em inglês deste texto, parafraseando o famoso romance de Charles Dickens. As duas eleições – governador e senador – são faces opostas da mesma moeda.

 

A governadora vetou a presença do atual senador (seu primeiro suplente quando eleita senadora em 2014) Jean-Paul Prates (PT) na chapa majoritária, preferindo entregar a vaga ao ex-prefeito de Natal, Carlos Alves, do PDT. Alves foi seu adversário direto na corrida de 2018, chegando inclusive a declarar apoio ao presidente Bolsonaro no segundo turno então. Ao fazer isso, a governadora retirou da disputa um nome que poderia potencialmente batê-la na competição deste ano. Ela cedeu igualmente ao ex-presidente Lula, que demandou um nome do MDB para a vice na figura do deputado federal Walter Alves, da mesma família política do aspirante a senador. Certa falta de apetite pelo cargo na elite política estadual completou o quadro, de visível redução da competitividade.

 

O movimento transferiu a competitividade para o pleito de senador. Percebendo uma lacuna política, o deputado federal Rafael Motta (PSB) se apresentou numa chapa majoritária separada. Antes do registro, Motta fez diversas ofertas ao PT potiguar para que seu nome fosse aceito na chapa, sabendo evidentemente que Bezerra jamais as aceitaria. Com isso, ganhou a publicidade mínima para o lançamento de sua candidatura. Motta se apresenta claramente como o único candidato pró-Lula, além de se manter na base de apoio da governadora. Rogério Marinho, o ex-ministro do PL, apresenta-se como o nome de Bolsonaro na disputa, enquanto Carlos Alves diz votar em Ciro Gomes ao mesmo tempo em que dá declarações ambíguas em favor do ex-presidente Lula.

 

Na eleição para o governo, a oposição só conseguiu apresentar dois candidatos relevantes, o senador Styvenson Valentim (Podemos) e o ex-vice-governador Fábio Dantas (Solidariedade). Ambos sofrem de sérios problemas de credibilidade; o primeiro por ter um discurso à Lava Jato que não fornece nenhuma imagem de como seria o seu governo, o segundo por ser associado ao governo anterior – do qual foi vice, que terminou muito mal avaliado. A Tabela 1 abaixo mostra como ficaram as principais chapas majoritárias, mostrando apenas os partidos que obtiveram posições formais de governador, senador e suplentes de senador.

 

TABELA 1: PRINCIPAIS CHAPAS MAJORITÁRIAS NAS ELEIÇÕES DE 2022 NO RIO GRANDE DO NORTE

 

Na composição do Podemos, apenas a candidatura a governador é competitiva; os candidatos a senador que tendem a dominar a competição são os três já mencionados. No indicador de intenção de voto, há razoável discrepância nos números dos diversos levantamentos. O quadro da disputa do Executivo, no entanto, é claro, com a governadora passando de 40% do eleitorado. O Blog do Barreto[1] realizou uma média das pesquisas realizadas em agosto para governador e senador. A Tabela 2 abaixo exibe os dados pertinentes.

 

Tabela 2: Média da Intenção de Voto dos Pleitos Majoritários (levantamentos de agosto)

 

O exame da tabela revela que ainda há considerável incerteza eleitoral na corrida para o governo, na medida em que mais de 1/4 do eleitorado ainda está sem candidato – a soma dos que dizem não saber em quem votar, não responderam ou indicaram opção pelo voto em branco e nulo. Na pesquisa Ipec realizada no mês passado, igualmente, a avaliação positiva da administração de Bezerra marcou 38% (a soma de ótimo e bom), o que sugere um contexto menos favorável do que o sugerido pelo mero indicador de intenção de voto. Dado o contexto de redução de competitividade, no entanto, é difícil apostar contra a reeleição e se torna mais seguro antever alterações na intenção de voto apenas nos dois principais aspirantes da oposição.

 

Os efeitos colaterais da estratégia da governadora se fazem sentir na disputa de Senado. É fácil pontuar que a entrada de Motta na disputa pode produzir uma eventual vitória de Marinho, mas o deputado do PSB não teria se candidatado a senador se Fátima tivesse mantido Prates como o nome para continuar no cargo. Simplesmente o espaço não existiria.

 

O perfil geral da disputa apresenta uma grande confusão, ademais, que não pode ser atribuída apenas à estratégia da governadora. Lealdades cruzadas estão cortando as duas eleições. O presidente regional do União Brasil, por exemplo, o ex-senador José Agripino Maia, apoia o nome de Fábio Dantas para governador, mas resiste, em simpatia a Motta, a declarar apoio a Marinho para senador. O prefeito de Mossoró, a segunda maior cidade do estado, adota estratégia similar, pois preferia o nome do ministro Fábio Faria para a vaga senatorial. Já o PSDB, maior partido da Assembleia Legislativa, apoia Marinho para senador, após rejeitar coligação formal com Dantas/Marinho. O presidente do PSDB e da própria Assembleia, Ezequiel Ferreira, declarou apoio à governadora, em troca de votos para sua recondução ao posto em 2023.

 

Por fim, a relação com os candidatos presidenciais também se revela eivada de várias ambiguidades. Carlos Eduardo Alves é eleitor de Ciro Gomes, mas rechaça suas críticas a Lula; Fábio Dantas, por sua vez, parece ter embarcado na campanha Bolsonaro, mas sua postura anterior era de ser apenas um eleitor do presidente. Nada garante que não retorne a ela se isso lhe for conveniente. Rafael Motta é pró-Lula e pró-Fátima, mas seus ataques a Carlos terminam respingando na gestora estadual. São duas eleições que estão interagindo uma com a outra de um modo que pouco esclarece o eleitor.

 

 

[1]Eis as fontes da tabela: https://blogdobarreto.com.br/fatima-e-styvenson-terminam-agosto-com-vies-de-crescimento-na-media-das-pesquisas-fabio-dantas-estagnou/; https://blogdobarreto.com.br/media-das-pesquisas-carlos-eduardo-segue-na-lideranca-mas-rogerio-encosta-e-motta-cresce/

This article presents the views of the author(s) and not necessarily those of the PEX-Network Editors.

Alan Lacerda
É doutor em Ciência Política pelo Iuperj em 2005. É professor associado do Instituto de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais na mesma instituição.