José Raulino Chaves Pessoa Júnior e Monalisa Soares Lopes
No pleito eleitoral de 2022, o tabuleiro político no Ceará foi delineado em definitivo às vésperas do dia 15 de agosto, prazo máximo estabelecido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para registro de candidaturas. Isso ocorreu porque, ao contrário da oposição que já estava articulada em torno da candidatura de Capitão Wagner (UNIÃO), o grupo governista, liderado pela aliança entre PT e PDT, arrastou por meses uma disputa interna. Somente em julho veio a definição da candidatura pelo PDT, o que, por sua vez, causou um racha no grupo e o consequente lançamento de uma candidatura do PT. Nesse texto, buscamos apresentar como se deu a formação dos palanques no estado e as variáveis que contribuíram para as definições partidárias.
Os caminhos que levaram ao fim da aliança de 16 anos entre PT e PDT no Ceará envolveram arranjos, negociações e disputas entre as lideranças em torno, especialmente, de palanques para candidaturas nacionais. O acordo prévio do grupo governista era que, considerando a candidatura favoritíssima do ex-governador Camilo Santana (PT) ao Senado Federal, caberia ao PDT a indicação do posto para disputar o Executivo Estadual. Até esse ponto, o entendimento entre PDT, liderado pelos Ferreira Gomes, e o PT, comandado por Camilo Santana, estava mantido. O rompimento da aliança ocorreu no momento da indicação do candidato ao cargo de governador. A competição interna no PDT se estruturou em torno de duas lideranças: Izolda Cela e Roberto Cláudio.
A professora Izolda Cela ocupou o cargo de vice-governadora ao longo da gestão de Camilo Santana (2015-2022). Manteve durante mais de uma década forte relação com o grupo dos Ferreira Gomes, tendo ocupado o cargo de secretária de educação do Ceará na gestão de Cid Gomes (2007-2014). É esposa de Veveu Arruda (PT), ex-prefeito de Sobral (2005-2011), município comandado pelo grupo dos Ferreira Gomes. Após a renúncia de Camilo Santana para disputar as eleições, passou a ocupar o cargo de governadora. O principal apoiador de sua candidatura era Camilo Santana. Através desse padrinho político, obteve apoio de lideranças de alguns partidos da aliança governista, como PT, PP, MDB, PCdoB e PV, e de prefeitos e deputados estaduais. A mobilização política em torno do nome de Izolda Cela era aquecida pela expectativa de eleição da primeira mulher para o posto de governadora do Ceará. O calcanhar de Aquiles em torno do seu nome se dava pelo fato de Izolda Cela não ter sido testada nas urnas, visto que nunca disputou de forma direta um cargo eletivo, e também apresentou desempenho abaixo de Roberto Cláudio nas pesquisas internas do partido.
Já o médico Roberto Cláudio é um político profissional e também forte aliado dos Ferreira Gomes. Foi deputado estadual em dois mandatos consecutivos (2007-2012), tendo ocupado a Presidência da Assembleia Legislativa do Ceará (ALECE), entre 2011 e 2012. O vínculo com os Ferreira Gomes garantirá a indicação para concorrer ao Executivo municipal de Fortaleza, capital do estado, em 2012. A partir de então, ocupou o cargo de prefeito em dois mandatos (2013-2020). Em 2020, na campanha eleitoral em Fortaleza, teve forte protagonismo na vitória do seu sucessor, o médico e então presidente da ALECE, José Sarto (PDT). Ao longo da carreira política, Roberto Cláudio deu provas de lealdade aos Ferreira Gomes. Depois de eleito deputado estadual pelo PHS, migrou para o partido do governador Cid Gomes, na época o PSB. Em outras ocasiões, seguiu se filiando aos partidos a que os Ferreira Gomes se encontravam vinculados, como PSB (2007-2013); PROS (2013-2015) e PDT (2015-presente). Como prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio demonstrava fidelidade aos padrinhos, acatando as escolhas dos Ferreira Gomes. Na atual eleição, sua candidatura tinha o apoio de prefeitos do PDT, sobretudo seu sucessor José Sarto, e da principal liderança dos Ferreira Gomes, Ciro Ferreira Gomes.
A decisão final em torno do escolhido ou escolhida à candidatura para governador aconteceu em reunião do Diretório Estadual do PDT, no dia 18 de julho. Nesse evento, Roberto Cláudio venceu a disputa, tendo sido indicado a candidato pelo partido. Essa escolha acarretou descontentamento entre os aliados que haviam demonstrado preferência pela atual governadora, ocasionando também a desfiliação de Izolda Cela ao PDT.
A celeuma se aprofundou com a compreensão de que a decisão em torno do nome de Roberto Cláudio havia sido diretamente influenciada pela necessidade de um palanque forte para Ciro Gomes (PDT) no Ceará, em detrimento dos arranjos locais da aliança. Percebendo-se alijado do processo de definição da candidatura, o grupo liderado por Camilo Santana (PT, MDB, PV, PCdoB e PP) optou pela construção de outra candidatura. Na nova configuração de forças, coube ao PT a indicação do então deputado estadual Elmano Freitas ao governo. Ao MDB, coube a escolha do vice. Liderada por Camilo Santana, essa chapa se aglutinava com o objetivo de dar palanque à candidatura de Lula (PT) à presidência da República.
O racha entre PDT e PT trouxe implicações significativas para a consolidação das candidaturas. As negociações se intensificaram em meio a disputas internas nos partidos que anteriormente compunham a aliança governista e a interferências das direções nacionais na decisão das executivas estaduais. A judicialização emergiu, portanto, como meio de resolver os conflitos internos. Tal cenário conturbado permeou a definição das coligações e o preenchimento dos cargos nas chapas, especialmente no âmbito do governismo.
Ao indicar Roberto Cláudio para a disputa ao governo, o PDT conseguiu manter a aliança com o PSD, liderado pelo conselheiro à disposição do Tribunal de Contas do Estado do Ceará (TCE-CE) Domingos Filho. Este foi vice-governador na chapa com Cid Gomes (2011-2014) e deputado estadual por cinco mandatos consecutivos (1995-2010), ocupando a Presidência da ALECE (2007-2010). No final do mandato como vice-governador, em 2014, Domingos Filho foi indicado pelo então governador Cid Gomes para ocupar o cargo de conselheiro do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Ceará (TCM-CE). Essa indicação foi uma espécie de prêmio de consolação por ter sido preterido pelos Ferreira Gomes na sucessão do governo estadual em 2014. Na época, o escolhido foi Camilo Santana. Em sua gestão como presidente do TCM-CE, Domingos Filho entrou em conflito com o então governador Camilo Santana. Embate que fez o governador mobilizar sua base política na ALECE para aprovar a extinção do TCM-CE e sua incorporação ao TCE-CE. Depois de passar alguns meses como oposição, Domingos Filho retorna à aliança governista, com o acordo de que o PSD indicaria o candidato a vice-governador na chapa, posto que lhe caberia.
A coligação liderada pelo PDT enfrentou significativas dificuldades para a definição do nome ao Senado. O racha interno no PSDB foi um dos principais motivos. A disputa entre o senador Tasso Jereissati, que expressou apoio a Roberto Cláudio, e Chiquinho Feitosa, então presidente estadual do PSDB, que defendia a aliança com Elmano Freitas, gerou instabilidade para a posição da federação PSDB-Cidadania. Na convenção partidária da estadual do PSDB, conduzida por Chiquinho Feitosa, aprovou-se a neutralidade com relação às coligações majoritárias. Sob influência de Tasso Jereissati, a Executiva nacional do PSDB interveio revogando a decisão da convenção e indicando o apoio da federação a Roberto Cláudio. Com essa decisão, o partido indicou o empresário Amarílio Macêdo para a vaga de senador na chapa liderada pelo PDT. Não conformado com tais desdobramentos, Chiquinho Feitosa recorreu ao TSE para o restabelecimento da neutralidade da federação. A decisão veio liminarmente favorável ao pedido. Em face do imbróglio, o PDT acabou registrando a vereadora Enfermeira Ana Paula (PDT) para a vaga ao senado, aguardando possível revisão da decisão autorizando novamente a aliança. Após o início da campanha eleitoral, o plenário do TSE confirmou a decisão liminar, o que levou a mais uma troca na candidatura ao senado. Com a renúncia da Enfermeira Ana Paula, a vaga do Senado ficou a cargo do PDS que indicou a deputada estadual Érika Amorim (PSD). Em meio às idas e vindas, a Coligação do Povo e para o Povo, que tem Roberto Cláudio (PDT) como candidato ao governo estadual, reuniu a Federação PSDB-Cidadania e 9 partidos (PDT; PSD; PMN; PATRIOTA; AGIR; PMB; PSC e DC), totalizando 2 minutos e 32 segundos de tempo no Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral (HGPE) de TV e rádio.
A Coligação Ceará Mais Forte, com Elmano Freitas (PT) como candidato ao governo, também teve sua cota de dificuldades para a definição dos cargos. Construída em torno da liderança e candidatura ao Senado do ex-governador Camilo Santana, a escolha pelo nome do deputado estadual petista Elmano Freitas ocorreu em meio a avais de forças internas no partido e a capacidade de reunir os diversos aliados. A apresentação do nome de Elmano ocorreu na noite do mesmo dia em que o PDT homologou a candidatura de Roberto Cláudio. O anúncio da candidatura petista foi realizado por Camilo Santana, em seus perfis nas redes sociais, com uma foto em que estavam reunidos e de mãos dadas o ex-presidente Lula, o ex-governador e o candidato. A candidatura de vice na chapa ficou com o MDB, em face da força política do ex-senador Eunício Oliveira. Às vésperas do prazo final para registro no TSE, foi apresentado o nome da fisioterapeuta Renata Almeida para o posto. Em menos de 24 horas a candidata retirou a candidatura argumentando que estava sofrendo ataques nas redes sociais. Reportagens da imprensa local afirmaram que conflitos internos também comporiam o desgaste da então candidata à vice, os quais, por sua vez, geraram impasses para definição de novo nome. A resolução veio no dia 9 de agosto com a indicação de Jade Romero, que já havia sido secretária executiva de Esporte no governo Camilo Santana, para o cargo. A entrada do PSOL na coligação ocorreu após a retirada da candidatura própria de Adelita Monteiro ao governo estadual e da renúncia do indígena Paulo Anacé à candidatura para o Senado. Ao final das negociações, a coligação reuniu 2 federações (Federação PT, PCdoB e PV; Federação PSOL REDE) e 4 partidos (PP, MDB, PRTB, SOLIDARIEDADE), contabilizando 3 minutos e 37 segundos no HGPE.
A Coligação União pelo Ceará reúne a oposição aos Ferreira Gomes e ao ex-governador Camilo Santana. É interessante observar a escolha do nome da coligação. O nome União vai além da referência ao partido cabeça de chapa da coligação. “União pelo Ceará” faz alusão ao pacto político ocorrido nas eleições de 1962. Nesse pleito, o chefe político coronel Virgílio Távora estabeleceu aliança no âmbito estadual entre os rivais históricos, União Democrática Nacional (UDN) e Partido Social Democrático (PSD), qualificando essa liderança como principal liderança política no estado.
Essa coligação tem como candidato ao governo o ex-policial militar Capitão Wagner (UNIÃO). Este emergiu como liderança política em 2011 ao comandar uma paralisação dos policiais no governo de Cid Gomes. A visibilidade alcançada com o comando da paralisação alçou Capitão Wagner a candidato a cargos eletivos. Ocupou o posto de vereador de Fortaleza (2013-2015), deputado estadual (2015-2019) e deputado federal (2019-atualidade). Em sua chapa, o posto de vice-governador é ocupado pelo médico e deputado federal (1997-atualidade) Raimundo Matos (PL). Para disputa ao Senado, a coligação é representada pela advogada Kamila Cardoso (Avante). Ela concorreu a vice-prefeita junto com Capitão Wagner na eleição municipal de Fortaleza em 2020. A coligação é formada por 7 partidos (PODEMOS, AVANTE, PL, REPUBLICANOS, PTB, PROS e UNIÃO BRASIL), contando com 3 minutos e 50 segundos de tempo no HGPE.
Na disputa majoritária no Ceará ainda existem três chapas disputando ao posto de Governo estadual e Senado. São candidaturas da esquerda ortodoxa que disputam de forma solo, como PSTU, PCB e UP. O PSTU indicou candidatos a todos os cargos majoritários. Para o Executivo estadual, no posto de titular e vice, o partido apresentou, respectivamente, a candidatura do trabalhador da construção civil Zé Batista e do servidor público municipal Reginaldo de Araújo. Como candidato ao Senado, o PSTU indicou o porteiro Carlos Silva. O PCB tem como candidato a governador o advogado Chico Malta; e para vice, o eletricista Nauri Araújo. Por fim, o UP apresentou a candidatura do bancário Serley Leal e do indígena e agricultor Francisco Bita Tapeba, respectivamente como governador e vice-governador. Nenhum dos três partidos possuem tempo de TV e rádio para o HGPE.
A recomposição que aqui apresentamos da articulação de forças para a disputa estadual no Ceará revela alguns aspectos, que marcaram esse início de campanha eleitoral, os quais nos cabe observar seus desdobramentos durante o período da disputa, destacamos: o improviso no campo governista para a construção das chapas; o impacto das disputas internas para a organização das forças, e, por fim, o recurso à judicialização como modo de resolução dos impasses.