Vitor Vasquez
As eleições gerais de 2022 se avizinham e, a partir delas, definiremos os representantes que atuarão no âmbito federal e estadual. E, embora a disputa presidencial receba a maior parte da nossa atenção e dos noticiários, todas as outras vagas em jogo são decididas nos estados, inclusive aquelas que definem a composição do Congresso Nacional. Afinal, as unidades federativas conformam o distrito eleitoral não apenas das disputas para governador e deputado estadual, mas também para senador e deputado federal. O âmbito estadual também pode funcionar como palanque para a contenda presidencial, o que aventa a possibilidade de que haja uma estratégia de coordenação entre as duas esferas eleitorais.
Com isto em tela, nesse texto analiso as candidaturas das eleições do Espírito Santo, explorando tanto o contexto local quanto as articulações com a disputa presidencial. Inicialmente exploro a formação das disputas estaduais, destacando as principais características contextuais que ajudaram a estruturar estas competições. Em seguida, analiso a articulação das disputas proporcionais e majoritárias no Espírito Santo e em que medida ela impacta as chances dos partidos em ocupar as cadeiras legislativas, tanto na Assembleia Estadual quanto no Congresso Nacional. Por fim, analiso a articulação da disputa estadual com as eleições presidenciais, apontando convergências e divergências em termos de conexão entre as eleições estaduais e a disputa presidencial.
A fim de compreendermos as especificidades das eleições capixabas em 2022, cabe explorar as candidaturas e alianças estabelecidas para as disputas majoritárias, isto é, aquelas que definem o governador do estado e o senador da República[1]. Para tanto, a Tabela 1 apresenta os candidatos, seus partidos e, se houver, suas respectivas coligações. Os partidos expostos entre parênteses compõem uma mesma federação partidária e a ordem de apresentação dos candidatos considerou o que possui a maior intenção de votos para a menor, segundo a última pesquisa IPEC governo ES, realizada entre 14 e 16 de agosto de 2022.
Tabela 1: Candidatos ao governo e Senado Federal pelo ES em 2022.
Fonte: elaboração própria a partir de dados do TSE.
A primeira informação a destacar é que as duas alianças com as maiores intenções de voto para o governo estadual e Senado Federal são as mesmas, apesar de inverterem a ordem de primeiro e segundo lugar em cada disputa. Isso indica um sucesso dos partidos presentes nestas coligações em oferecer aos eleitores capixabas candidaturas competitivas em 2022, o que vem atrelado à grande experiência dos políticos que encabeçam as disputas. A eleição para governador, por exemplo, tende a repetir a contenda de 2018, quando Renato Casagrande foi eleito em primeiro turno, obtendo 55,5% dos votos válidos. Na ocasião, seu principal adversário foi justamente Carlos Manato, que representou 27,2% da preferência eleitoral. À época, Casagrande concorreu pelo PSB, partido ao qual permanece filiado, e Manato, atualmente no PL, disputou a eleição pelo PSL, ou seja, em ambas as ocasiões filiado ao mesmo partido pelo qual Jair Bolsonaro disputa a presidência da República.
Quanto ao Senado, a disputa atual se concentra entre um ex-senador, Magno Malta (PL), e uma senadora cujo mandato se encerra agora em 2022, Rose de Freitas (MDB). Assim, ao passo que a senadora Rose de Freitas tenta sua reeleição, Magno Malta tenta voltar ao Senado após ser derrotado na última eleição por Fabiano Contarato e Marcos do Val. Em 2018, Contarato foi eleito pela Rede, mas, desde 2021, está no PT. Já Marcos do Val foi eleito pelo Cidadania, porém, integra o Podemos desde 2019.
Considerando a articulação entre as disputas majoritárias e proporcionais no Espírito Santo, cabe sublinhar que os partidos que encabeçam as intenções de votos na disputa para o governo – PSB e PL – estão entre os que ofertaram o máximo possível de candidatos para deputado estadual e federal, 31 e 11, respectivamente. De acordo com a atual legislação, cada partido ou federação pode apresentar no máximo um número de candidatos igual ao total de vagas em disputa mais um nas eleições proporcionais. Além de PSB e PL, Patriotas, PP, PTB e a federação Rede – PSOL também apresentaram a mesma quantidade. Há uma relação de mão dupla nesta estratégia: ao mesmo tempo em que os principais candidatos para governo podem atrair votos para seus correligionários nas proporcionais; os candidatos a deputado estadual e federal podem atuar como cabos eleitorais para seus postulantes a governo em seus redutos.
O protagonismo de PSB e PL, no entanto, não se restringe à arena estadual, alcançando também a eleição presidencial. O PSB é o atual partido do candidato a vice-presidente da chapa liderada por Lula (PT), Geraldo Alckmin, em aliança firmada entre (PT – PCdoB – PV), PSB, (Rede – PSOL), Agir, Avante e Pros. Paralelamente, o principal adversário desta coligação, Jair Bolsonaro, é filiado ao PL, assim como seu candidato a vice, Braga Netto, em coligação composta por PL, PP e Republicanos.
Se por um lado isso sugere uma conexão entre as disputas presidencial e estadual, por outro, também indica uma certa independência da candidatura do PL no Espírito Santo, se considerarmos os acordos de coligação estabelecidos. Considerando a histórica parceria que PT e PSB costumam firmar nas eleições gerais (LIMONGI; CORTEZ, 2010), pode-se constatar que, com exceção da federação (Rede – PSOL), todos os outros partidos presentes na chapa presidencial compõem também as suas coligações capixabas, incluindo governo estadual e Senado Federal. Em contrapartida, ao se tomar a candidatura de Bolsonaro como referência, nota-se que nenhum dos partidos presentes na sua coligação – PP e Republicanos – faz parte da parceria feita com o PTB no Espírito Santo. Portanto, se podemos falar em conexão de estratégia presidencial-estadual considerando a parceria PT-PSB; há uma certa autonomia estadual dos parceiros presidenciais do PL. Tal tendência não deve surpreender, pois acompanha a dinâmica observada também em outras unidades federativas, como destaquei em texto recente no qual analisei a presidencialização das disputas estaduais.
Nesse sentido, a aliança PT-PSB teve reflexo direto em termos de oferta eleitoral para o governo capixaba. Não à toa, o senador petista Fabiano Contarato renunciou à sua candidatura ao Palácio Anchieta exatamente para que seu partido apoiasse, de forma incondicional, o pessebista Casagrande. Entretanto, a coligação estadual também guarda duas particularidades importantes. A primeira consiste na inclusão de MDB e PSDB em seu conjunto de partidos e ambos atuando com protagonismo. Afinal, o candidato a vice de Casagrande é o tucano Ricardo Ferraço e, como já citado, a candidata ao Senado da coligação é a emedebista Rose de Freitas. Não custa lembrar que essa dupla de partidos está articulada na disputa presidencial e em outros estados, além de incluir o PSDB, principal rival político do PT no sistema partidário brasileiro, pelo menos entre 1994 e 2014. A segunda consiste no fato de que o PP, partido aliado do PL na disputa presidencial, compõe a coligação de Casagrande. Isso ratifica novamente a relativa independência entre as estratégias eleitorais presidenciais de Bolsonaro e seus aliados e as estaduais, e demonstra como, apesar de haver coordenação entre os âmbitos no caso da aliança PT-PSB, há também peculiaridades causadas por arranjos contextuais.
Finalmente, deve-se considerar que, no primeiro turno das eleições de 2018, Bolsonaro recebeu 54,8% dos votos válidos entre os capixabas e que, apesar de estar atrás de Lula nas intenções de voto no estado em 2022, vem apresentando taxas superiores à média nacional. Ou seja, há um apoio eleitoral elevado no Espírito Santo ao Bolsonaro, o que ajuda a justificar essa estratégia de atuar independente de seus aliados presidenciais na disputa estadual.
Referência
LIMONGI, F., CORTEZ, R. (2010), “As eleições de 2010 e o quadro partidário”. Novos Estudos – CEBRAP, 88, pp. 21-37
[1]Cada unidade federativa tem direito a três vagas no Senado Federal. O mandato de um senador dura oito anos e, a cada quatro anos, alternamos a escolha entre dois ou um senador. Em 2022, os estados elegerão um senador cada e, em 2026, dois.