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A estratégia Presidencial de Assessoramento no Brasil: de Collor a Bolsonaro

Aglaé Tumelero

 

No processo de formulação e decisão sobre políticas públicas, os presidentes enfrentam a necessidade de acessar informações para decidir sobre assuntos complexos e dinâmicos. Dada a complexidade das decisões e as limitações de recursos e tempo, informações são fundamentais para transpor a complexidade dos problemas em recomendações simples e compreensíveis sobre as escolhas a serem feitas. Ainda, são fundamentais para que posições sejam suportadas durante discussões acerca de soluções específicas, para descontar vieses e para que os resultados das decisões tomadas sejam legitimados (Brewer, 1973; Feldman e March, 1981; Calvert, 1985; Van Lohuizen, 1986; Oh e Rich, 1996).

 

Desafios de Informação

Em países, como o Brasil, que combinam um sistema federativo de organização político- territorial do poder e um tipo de governo presidencialista multipartidário, a necessidade informacional dos presidentes é premente pelas seguintes razões:

 

1) Nos sistemas federativos, devido ao princípio da soberania compartilhada (self rule plus shared rule), as ações governamentais são divididas entre unidades políticas autônomas (Elazar, 1987). Cada vez mais, no entanto, essas unidades estão interconectadas devido à nacionalização dos programas, à fragilidade financeira ou administrativa de governos locais e/ou regiões e mesmo à relevância de determinadas áreas para a competitividade de uma federação (Pierson, 1995; Schnabel, 2020). Com isso, em diversos países federalistas, como o Brasil, o processo decisório é marcado por um processo negociado e extenso de shared decision making, ou seja, de compartilhamento de decisões e responsabilidades entre os entes da federação para a provisão de políticas públicas (Pierson, 1995).

 

Em diferentes países, o compartilhamento de decisões e responsabilidades tem induzido o governo central ao papel de coordenador das ações de níveis de governo autônomos, em virtude, principalmente, da sua capacidade potencial de incentivar a atuação conjunta e articulada entre os níveis de governo no terreno das políticas públicas (Abrúcio, 2005). No Brasil, a partir da Constituição de 1988, o processo decisório federativo passou a combinar autonomia subnacional com forte coordenação nacional, onde o processo de financiamento, de regulação e de indução acontece de forma centralizada e a implementação ocorre de modo descentralizado e com autonomia política dos entes (Abrúcio, 2021). Nesse contexto, para exercer a coordenação intergovernamental, a informação é fundamental para os presidentes compreenderem e avaliarem as demandas dos governos subnacionais, contornarem vieses de informação e construir soluções junto a eles, estabelecerem entendimentos e objetivos conjuntos. Em outros termos, a informação assegura aos presidentes maior controle do ambiente de negociação intergovernamental.

 

2) A necessidade informacional dos presidentes é reforçada, ainda, pelas relações de delegação que eles estabelecem para conseguir governar (Moe, 1994; Rudalevige, 2002). A Constituição de 1988 outorga aos presidentes brasileiros amplos poderes positivos de agenda como a iniciativa exclusiva em matéria tributária e orçamentária, organização administrativa e judiciária, e matérias relativas aos serviços públicos e pessoal da administração dos territórios (Art. 61 § 1º CF/88). Além disso, lhes outorga poderes negativos de agenda como a solicitação de urgência para apreciação dos projetos de sua iniciativa (Art. 64 § 1º CF/88) e o veto parcial e total aos projetos contrários à agenda presidencial (Art. 65 § 1º CF/88). Apesar disso, os presidentes não governam sozinhos, demandando equipe com conhecimento técnico e político para formular políticas coerentes nas diversas áreas setoriais, estabelecer relação com o Congresso e com os grupos de interesse, realizar o planejamento das atividades diárias. Dessa forma, para exercer uma governança eficaz, os presidentes delegam parte da sua autoridade legislativa para os ministérios, sendo estes, portanto, responsáveis por referendar e executar os atos delegados pelos presidentes, expedir instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos (Art. 87 da CF/88). Em suma, os ministérios auxiliam os presidentes na formulação e na implementação das políticas públicas, apoiando-os em uma de suas tarefas mais importantes: o rulemaking, ou seja, na conversão dos princípios gerais aprovados pelas Casas Legislativas em políticas viáveis (Martínez-Gallardo, 2010; Batista, 2013; Rennó e Wojcik, 2015).

 

Ao delegar autoridade legislativa para os ministérios, no entanto, os presidentes podem se tornar suscetíveis às perdas de agência produzidas pela assimetria e viés de informação e pelo possível comportamento oportunista dos seus agentes. Em outros termos, os ministros podem tanto omitir informações fundamentais para a tomada de decisão dos presidentes, quanto se aproveitar das vantagens informacionais da sua posição para agir em benefício próprio ou de seu grupo em detrimento das preferências dos presidentes. Em governos multipartidários, como ocorre no Brasil, os executivos tendem a ser ainda mais suscetíveis às perdas de agência em virtude da dimensão partidária da formação ministerial, que induz a convivência no gabinete de atores com preferências distantes e responsividade à diferentes mandantes (ao presidente e aos partidos) (Amorim Neto, 2006).

 

A Estratégia Presidencial de Assessoramento no Brasil Pós-88

Para lidar com a necessidade informacional gerada pelo processo de shared decision making e para descontar os vieses das políticas propostas por seus aliados, os presidentes podem lançar mão de diferentes estratégias de informação, entre elas a centralização de arranjos institucionais de assessoramento, ou seja, colegiados voltados ao compartilhamento e produção de informações sobre diferentes áreas de políticas,  posicionados na estrutura organizacional da presidência (Rudalevige, 2002; Inácio e Llanos, 2016). Vale dizer que, diferente do gabinete, a Presidência é a instância onde os presidentes exercem maior controle político, na medida em que suas unidades estão subordinadas diretamente a eles e, no caso do Brasil, estão fora da mesa de negociação da coalizão, não sendo distribuídas entre os partidos parceiros (Inácio e Llanos, 2015, 2016). Dessa forma, ao centralizar arranjos de assessoramento na presidência, e a depender da composição deles, os executivos podem, através de uma escolha estrutural (politics of structural choice), mitigar desafios de informação, criando um espaço de interlocução com seus agentes e governos subnacionais que possibilite monitorar as iniciativas e demandas propostas, bem como obter contrapontos informacionais, promover o diálogo e coordenar esforços (Moe, 1990a, 1990b, 1993; 2009; Moe e Caldwell, 1994).

 

Os presidentes brasileiros do período pós-88 fizeram uso de suas prerrogativas administrativas, centralizando arranjos de assessoramento na presidência, como mostra a Figura 1, sendo criado no governo Lula I o maior número de novos arranjos (58), seguido pela administração Bolsonaro (23) e pelo governo FHC II e Lula II (cada um deles criou 22 arranjos). Embora posicionado em segundo lugar entre os presidentes que mais centralizaram novos arranjos na presidência[1], o presidente Bolsonaro, diferente de seus predecessores, ao completar os seus 100 primeiros dias de governo, extinguiu unilateralmente os colegiados de assessoramento pré-existentes na administração pública federal (Decreto 9.759/2019)[2]. Entre os arranjos extintos estão os conselhos, comitês, comissões, grupos, fóruns e salas que integravam a estrutura administrativa dos ministérios como, por exemplo, o Conselho Nacional de Segurança Pública (CONASP), além dos colegiados integrantes da estrutura administrativa da Presidência da República voltados ao assessoramento presidencial, como é o caso do Conselho Nacional para a Desburocratização e do Comitê Interministerial de Política de Juventude (COIJUV), entre outros. O referido decreto estabeleceu ainda a exigência de justificar a necessidade de o colegiado possuir número superior a sete membros (Art. 6º Decreto 9.759/2019).

 

 

Ainda, em comparação com os presidentes anteriores, o presidente Bolsonaro reduziu consideravelmente a participação da sociedade civil nos arranjos de assessoramento. Como mostra a Figura 2, entre os 23 colegiados criados pelo presidente, apenas dois deles contam com representantes da sociedade civil (cor vermelha)[3]. Além disso, de maneira semelhante aos arranjos criados pela presidente Dilma, nenhum deles conta com assento para os representantes dos governos estaduais (cor azul). Embora seja previsto pelo ato normativo de criação de diversos arranjos o convite de representantes de órgãos e de entidades da administração pública e/ou da sociedade civil (iniciativa privada, entidades acadêmicas etc.), é importante frisar que eles não têm direito a voto sobre as matérias discutidas no colegiado e sua participação é condicionada ao convite dos coordenadores.

 

 

 

Além disso, no contexto da pandemia da Covid-19, evidências obtidas pela CPI da Pandemia indicam que o presidente adotou uma estratégia informal de assessoramento, conhecida como gabinete paralelo (shadow cabinet), com o objetivo de receber um contraponto às informações oficiais produzidas pelo Ministério da Saúde sobre as medidas de enfrentamento ao vírus[4]. No campo dos estudos presidenciais, esse tipo de movimento é visto como uma estratégia de “broad gauge advice on critical policy choices that is unrestrained by departmental, agency, or pressure group interests” (Thomas 1970, 561) ou, ainda, se configura, no caso de governos de coalizão, como uma saída para equilibrar a distribuição dos portfólios entre aliados com a necessidade de informação e aconselhamento dos presidentes (Siavelis, 2016).

 

Apontamentos Finais

Em suma, a estratégia de assessoramento do presidente Bolsonaro tem duas marcas principais. Primeiro, a baixa diversidade das fontes de informação, que são majoritariamente oriundas da própria administração pública federal, o que reflete a reduzida disposição do presidente em dialogar e ponderar as considerações da sociedade civil. E, em segundo lugar, a informalidade das fontes, o que levanta importante discussão ética (que deve ser seriamente pautada pelos meios de comunicação e políticos) sobre a transparência e responsabilidade dos assessores informais sobre o rumo das políticas adotadas pelos presidentes com base nos seus conselhos e recomendações. Diferente dos ministros e demais agentes públicos formalmente nomeados, não há mecanismos de prestação de contas que garanta transparência sobre tais assessores, nem mecanismos formais de atribuição de responsabilidade pública pelas recomendações que emitem.

 

Por fim, o fato de os governos subnacionais não participarem dos colegiados de assessoramento criados pelo presidente Bolsonaro, deixando de atuar como fontes de informação, reforça, ainda mais, as evidências sobre a opção do atual governo pela descoordenação intergovernamental, decisão que têm produzido impactos negativos na formulação e implementação de políticas públicas em diversas áreas setoriais (Abrúcio et al., 2020; Arretche, 2021).

 

Notas

[1]A base de dados dos arranjos de assessoramento criados entre 1990 e fevereiro de 2022 no Brasil está disponível em: https://doi.org/10.6084/m9.figshare.19365494.v2

[2]Com exceção das diretorias colegiadas de autarquias e fundações, das comissões de sindicância e de processo disciplinar, das comissões de licitação, da Comissão de Ética Pública e das comissões de avaliação ou de acompanhamento criadas para analisar contratos de gestão e das comissões previstas pela Lei nº 12.846/2013.

[3]São eles: Conselho do Programa Nacional de Incentivo ao Voluntariado e Comitê de Orientação Estratégica do Programa Brasil Mais Produtivo.

[4]A CPI da Pandemia foi instalada em 27 de abril de 2021 com a finalidade de apurar as ações e omissões do governo federal no enfrentamento à pandemia da Covid-19 no Brasil. Os trabalhos da CPI culminaram no Relatório Final e foram encerrados em 05 de novembro de 2021.

 

Referências

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This article presents the views of the author(s) and not necessarily those of the PEX-Network Editors.

Aglaé Tumelero
Doutoranda e Mestra em Ciência Política pela UFMG. É pesquisadora associada no Centro de Estudos Legislativos da UFMG. Pesquisa a estratégia informacional dos presidentes na América Latina. É colaboradora do Blog PEX desde 2018 e integra a Red de Politólogas.<br />